Cansada de sofrer com a morte violenta de gays e transexuais no Maranhão, Raíssa Mendonça pretende brigar em Brasília para que as garantias e direitos constitucionais presentes no ordenamento jurídico alcancem, em sua plenitude, essa parcela invisível da sociedade
São Luís – Pela primeira vez na história da política maranhense, uma mulher trans subirá em um palanque para defender os direitos da população LGBTQIA+. Com garra, determinação e representatividade, a militante Raíssa Mendonça, 40 anos, maranhense de Pedro do Rosário cuja história de luta contra o preconceito rendeu livro, filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) na noite da última sexta-feira (18), em marcante ato público realizado na sede da legenda, na Rua dos Afogados.
Ela busca, por meio da política, uma oportunidade de fazer a diferença no Congresso Nacional defendendo uma causa que a acompanha desde a adolescência. Raíssa Mendonça não aguenta mais ver as estatísticas da violência contra o público GLBTQIA+ em seu estado e decidiu ir para a linha de frente em um patamar ainda mais alto. Ovacionada por um coro de vozes que pedia o fim do preconceito de gênero, da hostilidade contra homossexuais e pessoas trans e a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para cidadãos independentemente de sua condição sexual, a psicóloga formada pela Universidade Ceuma deixou seu recado com a coragem de quem está pronta para mais um desafio.
“Nós precisávamos de um palanque onde nossa pauta pudesse estar inclusa. E o PDT nos abriu as portas, afirmando que tem espaço para nós. Unidos, percorreremos os 217 municípios maranhenses para defender nossa bandeira e lutar por dias melhores para a população LGBTQIA+”, frisou a transexual que, em breve, lançará candidatura à deputada federal.
O ato foi comandado pelo senador Weverton Rocha, pré-candidato ao Governo do Estado. O partido, que recebeu 350 novos integrantes, conta, na capital, com apoio de secretários, ex-secretários municipais e estaduais, além de vereadores e ex-vereadores. No interior do Estado, tem a adesão de deputados estaduais e federais e de mais de 50 prefeitos e ex-prefeitos.
História de luta
Raíssa Mendonça enfatizou a força do projeto do senador Weverton Rocha rumo ao Palácio dos Leões. “O melhor candidato para a classe trabalhadora é aquele que veio de baixo como o senador Weverton Rocha, cuja história eu conheço. Ele é de luta e nos representa. Vamos à vitória!”, enfatizou.
A militante, que cresceu no seio de uma família sofrida, humilde e batalhadora, enfrentou adversidades e amargou o preconceito. No entanto, com força de vontade e coragem venceu obstáculos, migrou de Pedro do Rosário para a capital e conseguiu sobressair-se, estudando, galgando um curso superior e formando-se em Psicologia, mesmo período em que conseguiu na justiça o direito de usar seu prenome social na Carteira de Identidade.
Respeitada e admirada principalmente pela classe a qual representa, ela se politizou, empoderou-se e construiu a maior obra social até hoje dedicada a essa população excluída no Maranhão: o Instituto Raíssa Mendonça, por meio do qual abriu a Casa FloreSer Maranhão, no bairro Araçagi, entidade sem fins lucrativos que atua na defesa e promoção de direitos humanos, acolhendo pessoas em situação de vulnerabilidade social da capital e interior do estado. A casa também assiste a pessoas oriundas do sistema prisional maranhense com ações postas em prática em parceria com órgãos públicos e a iniciativa privada, ofertando cursos profissionalizantes.
Com um discurso forte, consistente, contundente e que dará voz a milhares de transgêneros maranhenses, a pré-candidatura de Raíssa Mendonça é um alento a quem há anos buscava uma representatividade no Congresso Nacional. “Nós seremos uma voz ressoante, verdadeira e firme no centro das discussões políticas do Brasil para defender os nossos direitos e combater o preconceito, as injustiças e todos os males que nos impedem de ser felizes”, ressaltou.
Dedicada vinte e quatro horas por dia ao projeto que concebeu ao lado de uma equipe de fiéis combatentes do preconceito social, a maranhense ministra palestras para contar sua trajetória, registrada no livro biográfico “O Outro Lado da Maçã”, de autoria do jornalista Evandro Júnior, do Grupo Mirante. “A Transexualidade ainda é um tema de grande tabu na sociedade brasileira. A falta de informação e o preconceito fazem com que as pessoas transexuais encontrem barreiras para exercer seus direitos com plenitude”, lamenta.
Segundo Raíssa Mendonça, estima-se que 10% da população brasileira pertençam à comunidade LGBTQ+ e uma parte significativa é transexual ou travesti. Com expectativa de vida de 35 anos, este é, também, o grupo mais afetado pela violência relacionada à identidade de gênero e orientação sexual, fazendo com que o Brasil lidere, há anos, o ranking dos países que mais matam transexuais.
Livro
A história de luta e representatividade da militante chamou a atenção do jornalista Evandro Júnior, que escreveu sua biografia em 2019. O livro está à venda na Livraria e Espaço Amei do São Luís Shopping. A obra narra a história de Dorivaldo Martins Mendonça, seu nome de batismo, que passou a infância ajudando a família na roça, em Pedro do Rosário, e deixou sua terra natal ainda adolescente, migrando para a capital com a ajuda de uma tia.
Na capital, Raíssa Mendonça trabalhou como catadora de frutas descartadas, pregoeiro, empregada doméstica, cabeleireira e militante política, tornando-se governanta do vereador e líder religioso Astro de Ogum, decano da Câmara Municipal. Sua vida foi marcada por muitos altos e baixos. Entre outras coisas, chegou a ser enganada no exterior, onde quase foi obrigada a se prostituir. Além disso, foi presa, após ser acusada de envolvimento em crime virtual, sendo a primeira transexual recolhida ao presídio feminino maranhense, deixando a penitenciária com uma tornozeleira eletrônica.
A venda do livro “O Outro Lado da Maçã” é revertida para as ações da Casa FloreSer Maranhão, que a maranhense toca com satisfação e esperança de mudar para melhor a realidade da população LGBTQIA+. “É preciso garra e persistência para lutar por um país melhor, com menos preconceito e mais união, paz e respeito. Que a política seja um caminho para lutarmos pelos ideais dessa parcela discriminada e sofrida da sociedade. Seguiremos pelo caminho dos bem-intencionados e justos por uma humanidade realmente humana”, finaliza.
Por Felipe Mota