O Ministério Público do Maranhão, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural de São Luís, realizou na tarde desta terça-feira, 19, no auditório do Centro Cultural e Administrativo do MPMA, uma audiência pública para debater a mobilidade urbana na capital e a transparência da construção, revisão e aplicação do atual Plano de Mobilidade Urbana (lei n° 6.292/2017).
Ao abrir os trabalhos, o promotor de justiça Luis Fernando Cabral Barreto Júnior afirmou que o objetivo da audiência é garantir transparência, permitindo aos cidadãos questionar diretamente o Poder Público sobre o quanto têm sido cumpridos os seus deveres em relação à mobilidade urbana. “É importante, nesse momento, debater, principalmente quando se está discutindo zoneamento, Plano Diretor e estamos assistindo a uma série de intervenções na cidade”, explicou.
A primeira fala da audiência foi do diretor de Operações Rodoviárias e Ferroviárias da Agência Estadual de Mobilidade Urbana e Serviços Públicos (MOB), Jacob Mendes, que explicou as atribuições e ações da Agência no controle do transporte semiurbano da Ilha de São Luís. A respeito do Plano de Mobilidade urbana, o diretor afirmou desconhecer a existência de comunicação entre os entes públicos para discutir a realização de obras.
No que se refere às obras realizadas pelo estado do Maranhão, Mendes afirmou que são em sua maior parte realizadas pela Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra), sendo a participação da MOB “muito pequena”.
MUNICÍPIO
O superintendente da Divisão de Transportes da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (SMTT) de São Luís, Paulo Fábio Lima Andrade, afirmou que a pasta tem trabalhado no incentivo ao uso de transportes públicos, repensando a mobilidade e em como integrar as diversas formas de transporte. Para isso, estão sendo desenvolvidos aplicativos para uso dos usuários e de controle da frota, além de projetos de acessibilidade.
De acordo com Paulo Andrade, há um incentivo para a chamada mobilidade ativa (deslocamento não motorizado e que envolve atividade física, como bicicleta, caminhada ou patinete), especialmente no Centro da cidade.
O superintendente da SMTT responsável pela área de trânsito não compareceu à audiência.
ESTUDO
Durante a audiência pública, o professor Frederico Lago Burnett, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), fez uma apresentação sobre a “Mobilidade urbana e rural em São Luís: histórico recente, situação atual e demandas populares”. De acordo com o palestrante, os estudos que resultaram no Plano Municipal de Mobilidade Urbana foram iniciados em 2014 e apontavam informações como o estrangulamento de vias como as avenidas João Pessoa, dos Franceses e Santos Dumont, além de já prever um “massivo investimento em loteamentos residenciais em regiões periféricas”, que trariam impactos relevantes à mobilidade urbana.
Em sua fala, o professor também abordou temas como os assaltos a coletivos, as condições de trabalho dos profissionais do transporte e a falta de corredores exclusivos para ônibus. A insuficiência de ciclovias, ciclofaixas, faixas de pedestres e calçadas também foi abordada.
Ainda de acordo com o palestrante, a lei 6.292/2017 previa a criação do Conselho Municipal da Mobilidade Urbana em até 60 dias, mas nunca foi instalado. Também estava prevista a integração com o Plano Diretor em até um ano e a revisão do Plano de Mobilidade em até cinco anos o que também não aconteceu.
Por fim, o professor apresentou oito demandas relativas à mobilidade e acessibilidade nos espaços urbano e rural, que envolvem questões como a criação de abrigos adequados, redutores de velocidade, calçadas, faixas de travessia de pedestres; implantação de ciclofaixas e cicloviais nas avenidas e planejamento imediato para o meio de transporte com maior crescimento em São Luís, que são as motocicletas.
De acordo com o promotor de justiça Fernando Barreto, as demandas serão encaminhadas, na forma de Recomendação, ao prefeito de São Luís, Eduardo Braide.
SOCIEDADE
Durante a audiência, representantes da população puderam apresentar seus questionamentos. A primeira a se manifestar foi Margareth Ribeiro, que mora na área diretamente afetada pelo Programa Trânsito Livre, no Calhau. Segundo a moradora, a população da região não foi ouvida sobre as mudanças que deixaram os habitantes da região com menos possibilidades de deslocamento.
Na avaliação de Gleyson Mota, morador da mesma região, a Prefeitura de São Luís deslocou o problema do trânsito na rotatória do Quartel da Polícia Militar e Avenida dos Holandeses para uma região residencial, que se tornou impraticável para pedestres. De acordo com ele, outro problema enfrentado é que na região foi proibido não só o estacionamento, mas a parada de veículos, o que impede o embarque e desembarque, inclusive de idosos e pessoas com mobilidade reduzida.
Carolina Caetano também questionou as recentes intervenções realizadas na área do Renascença II. De acordo com a moradora, as mudanças aconteceram de um dia para o outro e tornaram vias inseguras para pedestres, como a Rua Mitras. “Não me sinto segura para transitar de bicicleta ou a pé”.
A região da Cohab também foi tema da audiência. Em sua fala, o morador do Itapiracó Josemar Pinheiro falou sobre a dificuldade de chegar ou sair do bairro. Ele criticou a construção de um elevado próximo ao aeroporto enquanto a situação na Forquilha continua caótica e citou a situação grave da comunidade Porto Grande, na Zona Rural, onde até veículos de grande porte não conseguem transitar devido à falta de qualidade das vias.
Jercenilde Cunha também trouxe os problemas enfrentados pelos habitantes da Zona Rural da capital, como os acidentes diários no acesso ao bairro do Maracanã, a falta de paradas de ônibus e as péssimas condições dos coletivos.
Já Guilherme Elisiário, estudante do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) – Campus Maracanã, falou sobre as dificuldades enfrentadas. Além de vias mal conservadas, os estudantes precisam se deslocar por dois quilômetros até a BR-135, pois não há ônibus que cheguem até a escola. Além disso, não existe faixa de pedestres na rodovia para que os alunos possam atravessar e tomar os coletivos que seguem em direção ao Centro da cidade.
Ele também criticou a falta de acessibilidade nos coletivos, inclusive a falta de capacitação dos profissionais, especialmente no que diz respeito a pessoas com deficiências ocultas, que muitas vezes são constrangidas nos transportes públicos.
TRANSPARÊNCIA
A falta de transparência foi tema da reclamação apresentada por Denes da Silva, que solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a planilha com os custos do transporte coletivo de São Luís, mas nunca recebeu resposta. Situação semelhante à vivida por Priscila da Costa, que solicitou os projetos do Programa Trânsito Livre e também não teve retorno.
Integrante do grupo Pedal das Minas, Priscila da Costa questionou a falta de ciclovias e ciclofaixas na cidade. “As ciclofaixas que temos ligam o nada a lugar nenhum”, observou. Para Valquíria Santana, do mesmo coletivo, não faltam leis sobre o tema, mas responsabilidade e compromisso por parte do Poder Público.
O advogado Guilherme Zagallo levantou um questionamento a respeito das mudanças realizadas pela Prefeitura, que transformaram vias residenciais em coletoras, o que só seria possível por meio da mudança de leis, o que também demandaria aprovação da Câmara Municipal. Um dos exemplos citados por ele foi a Rua dos Sambaquis, na região do Ipem.
José Ivo Gonçalves questionou a respeito dos números sobre acidentes com motocicletas em São Luís. Já Ângela Maria Gomes trouxe a preocupação com a segurança no transporte coletivo. Vítima de dois assaltos desde o ano passado, ela contou ter presenciado, inclusive, a tentativa de linchamento de um assaltante.
Para Horácio Antunes, o projeto de desenvolvimento atual de São Luís prioriza a expansão portuária e industrial, não pensando na população local e sim atendendo a interesses de pessoas que não vivem e, muitas vezes, nunca estiveram na cidade. Professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ele alertou para a situação em frente à UPA do Bacanga, onde não há faixa de pedestre próxima para permitir a passagem de pessoas doentes e, portanto, com dificuldades de locomoção.
Também professora da área de urbanismo na UEMA, Fabíola de Oliveira lembrou que o conceito de mobilidade urbana está diretamente ligado à facilidade de deslocamento e ao oferecimento de várias opções de transporte à população. O contrário do que vem sendo feito na capital, com a priorização do transporte individual. Ela citou como exemplo a Marginal Pinheiros, em São Paulo, com oito faixas em cada sentido e que não resolveu a questão da mobilidade na região.
Para a especialista, as intervenções feitas em São Luís nos últimos anos são equivocadas e têm curto prazo de validade até se tornarem novos problemas, como os elevados construídos nas últimas décadas. Ela criticou, ainda, soluções como largas avenidas que se afunilam logo à frente.
ENCAMINHAMENTOS
Ao final da audiência, Fernando Barreto afirmou que todas as demandas apresentadas serão encaminhadas oficialmente à Prefeitura de São Luís e ao Estado do Maranhão. O titular da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural de São Luís também informou que uma nova audiência pública será realizada em agosto deste ano, sendo este prazo suficiente para que o Poder Público levante e preste as informações necessárias.
Redação: CCOM-MPMA