A 10 dias das eleições, analistas, cientistas políticos e marqueteiros se preocupam com o risco de que boa parte dos eleitores desconsidere as urnas. A ausência de votantes deve produzir uma constatação e um efeito imediato na campanha. O primeiro caso é a revelação do desencanto da população com relação aos políticos. O segundo, de ordem prática, está relacionado com estratégias de marketing dos postulantes. Tal fato pode ser explicado porque as estratégias eleitorais são calibradas por levantamentos de intenção de voto que não capturam a abstenção do eleitor.
Entre os principais motivos para que o eleitorado não se sinta motivado a fazer uma escolha está a obrigatoriedade do voto, que traz consigo a possibilidade de um sentimento de frustração e medo, atrelado à desilusão com os representantes políticos. Fora isso, há um contexto recente de escândalos de corrupção e desinformação, que influencia o eleitorado a não querer fazer parte do processo. Nas pesquisas de intenções de votos, as perguntas são feitas em torno de um candidato favorito e de um rejeitado. Não há questionamentos sobre comparecer ou não aos locais de votação.
Para Carlos André Machado, diretor do Instituto Opinião Política, responsável por fazer os levantamentos encomendados pelo Correio, os votos não válidos, que são constituídos por brancos, nulos e ausentes, prejudicam a análise completa da escolha das pessoas de menor escolaridade e renda, porque há dificuldades socioeconômicas por trás do ato de comparecer à zona eleitoral. Assim, com um grande número de faltantes, um candidato específico pode ser ajudado e outro, prejudicado. “Fechadas as urnas, o voto total de um candidato será impactado com a redução do denominador na conta”, comenta.
Assim como Machado, Lúcio Rennó, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o total de abstenções mais nulos e brancos é um importante fator a ser considerado pelas equipes dos candidatos e por analistas. Baseado nos dados das eleições de 2014, o Rennó avalia que o número tem sido relativamente alto desde a redemocratização, em 1989, e chegou a alcançar quase 40% quando Fernando Henrique Cardoso foi reeleito, em 1998. Foi preciso apenas 33% da aceitação do eleitorado inscrito para que ele chegasse à Presidência. Rennó calcula ainda que, dos cerca de 70% representados pelos votos válidos, é preciso apenas metade para ser eleito: “Não é um quantitativo impossível de se imaginar em uma eleição como essa, embora seja difícil de mensurar. A não ser que haja uma onda maciça de voto útil em prol de um candidato”.
Segundo Rennó, é um fato a ser considerado também para o segundo turno. Isso porque há um padrão na distribuição desses votos não válidos pelos estados brasileiros. “Os votos válidos estão mais concentrados em regiões onde a renda familiar é mais alta. Há também uma correlação entre os estados de baixa renda, cuja preferência se dá em eleitores do PT”, explica. Ainda de acordo com os números do pleito passado, o cientista político destaca que os lugares mais ricos votaram no PSDB, que hoje pode ser considerado o voto de Jair Bolsonaro (PSL). “Isso muda tudo na estratégia das campanhas. Em 2014, o PT partia na dianteira, tinha mais recursos, tentava a reeleição. Agora, o cenário está mais difícil. A alta competitividade entre os candidatos gera incerteza a um grau alto da população. Exceto no eleitorado do Bolsonaro, que segue empolgado.”
Mas há especialistas que discordam desse raciocínio. É o caso de Aninho Irachande, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). O docente afirma que, embora sejam notórias, as abstenções não têm força para influenciar no resultado de uma eleição, ao contrário do voto dos indecisos.“Muitos se manifestam nas pesquisas, mas só decidem pelo candidato em cima da hora, ou decidem anular o voto.”
A cientista política Hannah Maruci Aflalo, da Universidade de São Paulo (USP), também acredita que é cedo para pensar nos efeitos dos votos não válidos, principalmente por ser uma eleição atípica. “Grande parte do eleitorado ainda não está decidido. Além disso, há várias outras questões, como as mudanças nas regras eleitorais, a candidatura de alguém de extrema direita e um nome que só foi confirmado há pouco mais de uma semana”, observa.
40% do eleitorado registrado
Soma aproximada dos que se abstiveram, votaram em branco ou anularam o voto na reeleição de FHC, em 1998.
“Fechadas as urnas, o voto total de um candidato será impactado com a redução do denominador na conta”
Carlos André Machado, diretor do Instituto Opinião Política
Por Correio Braziliense