Cerca de 6,7 mil de trabalhadores imigrantes podem ter morrido por falta de segurança e por exposição ao clima extremamente quente, de até 50º, no Qatar, durante a construção dos estádios faraônicos e mais caros do planeta para a Copa do Mundo de Futebol, que tem início no próximo domingo (20).
Além das milhares de mortes por acidentes de trabalho, há informações de que 500 casos (7%) foram suicídios e muitos deles podem estar ligados às condições de trabalho degradantes desses trabalhadores. Essas mortes teriam ocorrido entre 2010, ano em que a Fifa anunciou o Qatar como sede da Copa, e 2020.
Em todo esse período, movimentos sindicais e representantes de ONGs criticaram a Fifa pela escolha do Qatar como país sede justamente por causa das denúncias contra situações precárias de trabalho.
Agora, a três dias do início da Copa, quando nos campos que custaram milhares de vida entrarão os profissionais que estão entre os mais bem pagos do mundo, o Qatar volta a ocupar manchetes de jornais por causa de uma decisão desumana, típica dos líderes de regimes autoritários. Comandado com mão de ferro e poder absoluto pela dinastia Al Thani de extrema direita, o Qatar se recusou a indenizar as famílias dos imigrantes mortos, segundo a Anistia Internacional, organização de Direitos Humanos.
Também a Organização Internacional do Trabalho (OIT), informou que registrou mais de 34 mil reclamações, entre outubro de 2021 e outubro de 2022 sem que as autoridades do país tomem qualquer decisão para resolver os conflitos trabalhistas.
Trabalho análogo à escravidão
Assim como nos casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil os patrões retêm os documentos, como carteira de trabalho. No Qatar, até 2019, o sistema conhecido como kafala permitia que os patrões retivessem os passaportes dos trabalhadores imigrantes. E mais: eles só podiam mudar de emprego com autorização da empresa. Apesar do sistema ter sido mudado há três anos, os imigrantes ainda são obrigados a informar o empregador 72 horas antes de sair do país.
As denúncias contra o Qatar
A denúncia de trabalho análogo à escravidão foi feita a partir de uma reportagem do jornal inglês The Guardian, que fez um levantamento sobre a construção de sete estádios, um novo aeroporto, rodovias, sistemas de transporte público, hotéis e até mesmo uma cidade nova: Lusail, a 25km da capital Doha.
De acordo com documentos obtidos pelos repórteres e com base em informações nas embaixadas dos maiores fornecedores de mão de obra para o Qatar apenas entre os imigrantes da Índia, Nepal e Bangladesh, foram cerca de 500 mortes de trabalhadores (7% do total) em acidentes de trabalho.
Mais de 800 outros trabalhadores morreram em acidentes de trânsito e grande parte deles ocorreram no trajeto para o trabalho e seu retorno por causa das condições precárias do transporte e do tráfego caótico da região. Além disso, há inúmeros e estranhos registros de mortes por “causas naturais” durante o trabalho. Apenas na construção de estádios, foram catalogadas oficialmente 37 óbitos no Qatar.
Estudo desenvolvido pela OIT mostrou ainda “elevado” ou “extremo” risco de estresse térmico, com a temperatura corpórea dos operários subindo a 39° nas atividades laborais a céu aberto durante os quatro meses mais quentes do ano. É bem possível, portanto, que o trabalho sob calor intenso possa ter atuado como causa direta ou indireta para esse misterioso número de mortes por “causas naturais”, que vitimou pessoas jovens e saudáveis, como revelou a reportagem do Guardian.
A CUT tem acompanhado a situação dos trabalhadores no Qatar em parceria com outras entidades internacionais, como a Street Net, que atua quando há grandes eventos esportivos, em prol do “trabalho decente”.
“Em alguns países se consegue com apoio do movimento sindical sabermos o que está acontecendo com os trabalhadores, mas em países como o Qatar fica difícil termos informações do que lá ocorre por não ter sindicatos organizados”, afirma o secretário de Relações do Trabalho da CUT Nacional, Ari Aloraldo do Nascimento.
Direitos na Copa de 2014 no Brasil
Logo após o anúncio da Fifa de que o Brasil seria sede da Copa do Mundo de 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), a CUT iniciou uma série de debates sobre os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras durante o evento.
A Central iniciou um levantamento sobre os gastos em estádios, infraestrutura, impacto econômico e criação de empregos relacionados ao Mundial, pelo fato de a Copa gerar emprego, renda e benefícios duradouros para toda a população.
No caso da Lei Geral da Copa, a CUT propôs emendas e alterações no projeto e, a partir de negociação com deputados, alcançou a inclusão de alguns pontos. O primeiro refere-se à citação do “direito ao livre exercício de manifestação e a plena liberdade de expressão”.
Outro ponto que constou do projeto incluído a partir de proposta da CUT foi a limitação ao serviço voluntário. Se uma das justificativas para sediar os eventos é o impacto na economia local e a geração de postos de trabalho, o voluntariado – inicialmente previsto em 18 mil pessoas, mas com possibilidade de alcançar 40 mil – não poderia ter a dimensão inicialmente planejada. Portanto, a proposta da CUT visava coibir a substituição de empregos assalariados por voluntários e limitar as atividades que podem ser realizadas desta forma, impedindo o voluntariado nos casos de profissões regulamentadas ou em atividades que possam colocar em risco a segurança do público.
Por fim, dentre as propostas incluídas, estava a campanha por Trabalho Decente realizada oficialmente durante o Campeonato.
“Essas construções dos estádios no Brasil estavam dentro da lógica do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a questão dos estádios, em que pese na grande maioria serem privados, tinha a ingerência do Estado brasileiro que ajudou a compor via financiamento do BNDES. Por isso tivemos o cuidado de para que os trabalhadores fossem contratados com carteira assinada, e isso foi feito na época. A gente já vinha num processo intenso de negociações com essas empresas”, lembra Ari.
Outro acordo que teve a atuação da CUT foi a de permitir que catadores pudessem adentrar aos estádios e retirar latas, após os jogos, e matérias como madeiras e ferro que sobraram das obras. Outra parceria foi com uma cooperativa do Distrito Federal em que detentos fabricavam bolas de futebol para serem vendidas.
“Já tínhamos o exemplo da Copa da África do Sul, em 2010, quando surgiram as vuvuzelas, fabricadas na China, que eram vendidas em todo o mundo, mas que não levou nenhuma renda aos sul africanos”, conta o dirigente.
Sobre o Qatar
O país também é acusado de reprimir a comunidade LGBTQI+, as mulheres e a oposição ao governo local. Um exemplo da repressão ocorreu nesta terça-feira quando o repórter Rasmus Tantholdt, da emissora TV2, da Dinamarca,que fazia uma entrada ao vivo foi impedido pela polícia de continuar a sua transmissão, mesmo após apresentar os documentos que o autorizavam a trabalhar naquele momento.
Um dos seguranças do chegou a colocar u a mão na lente da câmera. Após o acontecido, Comitê do Qatar e o Qatar International Media Office, que organiza a comunicação do evento, pediram desculpas.
Por Diário do Centro do Mundo