A política de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial formulada e implementada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) comemora 20 anos. Devido à correção dos seus princípios democráticos, fundamentados na participação social; à construção de instrumentos inovadores, e, ainda, ao respeito e fomento intransigente da diversidade das manifestações culturais do Brasil, essa política tem obtido amplo reconhecimento, tornando-se referência mundial.
Esse sucesso se deve grandemente ao fato de terem estado à frente do Departamento do Patrimônio Imaterial do IPHAN, desde 2003, quando da sua criação, especialistas das áreas da Antropologia, Arquitetura, Museologia, Comunicação e Direito – que, além de dominarem o tema e suas principais questões, participaram ativamente dos debates ocorridos aqui e alhures sobre a salvaguarda dessa dimensão tão forte, mas ao mesmo tempo tão delicada, do patrimônio cultural. Forte porque decorrente de modos de fazer, criar e viver de grande poder de resiliência. Delicada porque, ao emanar de conhecimentos, sentimentos e habilidades que se expressam no e a partir do corpo das pessoas, demanda respeito intransigente aos diferentes códigos culturais e visões de mundo aos quais elas pertencem. Definitivamente, cuidar desse assunto – o patrimônio imaterial – não é tarefa para quem expresse concepções restritivas, dogmáticas, hierárquicas ou homogeneizadoras a respeito de qualquer aspecto da vida social, cultural e espiritual.
O que então podem esperar os segmentos da sociedade brasileira interessados na valorização do patrimônio cultural de modo amplo e inclusivo, diante da especulação já amplamente veiculada pela imprensa sobre a exoneração de Hermano Guanaes e Queiroz do cargo de diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial do IPHAN, reconhecido estudioso e especialista neste campo, que vem desenvolvendo trabalho dedicado e exemplar? O que esperar quando a pessoa que irá substituí-lo não possui formação ou experiência prévia no campo do patrimônio e se apresenta como pastor de um segmento religioso que condena qualquer outra forma de expressão de religiosidade que não seja a sua?
A salvaguarda do patrimônio cultural imaterial precisa estar fundamentada, acima de tudo, no respeito à diversidade. Nos últimos 20 anos, diversos bens vinculados a expressões da religiosidade popular ou a sistemas culturais e religiosos de matriz africana e indígena foram reconhecidos como patrimônios culturais do Brasil, sendo alguns deles também reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade, como o Círio de Nazaré, a Arte Kusiwa Wajãpi, o Samba de Roda, a Roda de Capoeira, o Ritual Yaokwa do povo Enawenê-nawê ou o complexo do Bumba-meu-boi do Maranhão. As escolhas arbitrárias e os desmontes que vêm ocorrendo nas instituições culturais e, em particular, no IPHAN pedem, mais uma vez, reação enérgica da sociedade. O Fórum Nacional de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural se coloca à disposição da sociedade na luta contra ações dessa natureza.
Brasil, 05 de dezembro de 2020
Subscrevem este documento:
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP)
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA)
Associação Nacional de História (ANPUH)
Associação Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio (ANTECIPA)
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE)
Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA)
Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios(ICOMOS-BR)
Conselho Internacional de Museus – Brasil (ICOM-BR)
Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (FeNEA)
Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA)
Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno (Docomomo Brasil)
Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)