Transeunte de vários mundos
“(…) Vê-lo em sua passagem é um recado de sobreaviso, pois, como na Receita de Vinicius, se fecharmos os olhos, ele não estará mais presente” (trecho de um texto escrito por Milson Coutinho).
A História, a Política, o Jornalismo, o Direito e a Literatura perderam esta semana um servo devotado. Partiu deste plano de existência o meu confrade e amigo Milson de Souza Coutinho, plural num só, transeunte de vários mundos. Bafejado pelos bons augúrios de Mnemósine e inspirado por Clio e Polímnia, Milson deixou um legado inestimável de amor pelo conhecimento, pela família, pelos amigos, pela vida.
Um dado histórico muito me emocionou quando, numa mesma semana, perdemos Waldemiro e Milson. Foi por influência deste que o primeiro escreveu uma série de perfis dos integrantes da Casa de Antonio Lobo, o que veio a originar a obra Passarela do Centenário. Acerca de Milson Coutinho, Waldemiro Viana vaticinou: “é o maior historiador maranhense de atualidade, ante a ausência terrena do grande Mário Meireles”. Numa dessas coincidências dignas da urdidura das moiras, num dia partiu Waldemiro Viana, e, no dia seguinte, Milson Coutinho.
Orador nato, apaixonava as plateias. Não foram raras as vezes em que, sob o manto da toga, proferiu discursos-libelos acerca da Justiça, do Direito e dessas vicissitudes que cercam a humanidade. Honrou a Constituição Federal ao conduzir a delicada jornada que marcou o primeiro grande concurso do Tribunal de Justiça do Maranhão, quando ocupou a presidência daquela casa. Advogado e depois desembargador, conheceu as intempéries de quem tem a parcialidade como ofício para mais tarde conhecer a submissão da imparcialidade de quem enverga a toga. Teve ainda a grata condição de ocupar cargos cujo acesso se dá pela eleição para também nesta mesma vida conhecer as agruras de quem tem a responsabilidade de conduzir um processo eleitoral, na condição de presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.
Historiador, os meandros obscuros e detalhes esquecidos daqueles que nos antecederam eram a matéria de sua pesquisa cuidadosa e dedicada. Não media esforços, a exemplo do catador de pérolas que não se intimida com a vastidão do mar. Apóstolo da literatura, a ela dedicou o melhor de si. O Maranhão não seria o mesmo sem os escritos de Milson Coutinho. O jornalismo desta terra formou a alma de um repórter curioso para a miríade de realizações.
Faltar-me-ia espaço para digressar acerca de suas obras, cargos ocupados, honrarias, benfazejos. Espanta-me a capacidade daqueles que conseguem, com a paciência de Ariadne, desenrolar o fio salvador no labirinto. Assim viveu Milson Coutinho, para quem A morte chega cedo,/Pois breve é toda vida/O instante é o arremedo/ De uma coisa perdida (Fernando Pessoa).