Por Abdon Marinho
UMA NOTÍCIA chamou-me a atenção estes dias. Li que na Assembleia Legislativa do Estado o número de deputados estaduais qualificados como sendo “de oposição” ao governo eram insuficientes para a formação de um bloco paramentar.
Pelo que pesquisei a constituição de um bloco parlamentar – de oposição, por exemplo –, só é admitida se os partidos que o desejarem constituir possuir pelo menos um décimo dos integrantes do parlamento, no caso do Maranhão, quatro deputados, do universo de quarenta e dois parlamentares.
Ainda, pelo que li, com uma ressalva aqui outra ali, sobraram três autodenominados opositores do governo. Sem o bloco poderão se manifestar uma vez ou outra e não terão direito a diversas vantagens deferidas aos blocos.
Diante do ocaso da oposição vi os contumazes aduladores de governo – qualquer governo –, “correrem” para exercerem o papel que fazem com maestria: adular o governante, estendendo a adulação ao presidente da Assembleia, elogiando-os, falsamente, por fazerem “tão magníficas gestões” a ponto de não terem oposição.
Um ou outro, mais xerimbabo, cunhando que a oposição caberia numa moto.
Como todos os elogios motivados por paixões ou interesses torpes, as premissas em que se baseiam ou são, em parte, ou inteiramente, falsas.
Uma breve leitura ou conhecimento da história nos prova que tanto no passado quanto no presente as nações mais avançadas foram forjadas e se mantém como democracias consolidadas possuem oposição forte e partidos consistentes.
Vejam os EUA; o Reino Unido; a Dinamarca; a França; a Alemanha ou mesmo a Suécia. Já as ditaduras violentas e miseráveis floresceram e se mantém sem oposição.
O ditador do Iraque, Saddam Hussein, numa de suas últimas eleições, foi eleito com mais de 98% dos votos; o mesmo aconteceu com o ditador da Líbia, Muammar Kadhafi; na Coreia do Norte nem eleição há; em Cuba vigora a eleição de partido único; na Venezuela, os arremedos de democracia aniquilaram as instituições, a oposição e o povo.
No Sudão que faz rima com Maranhão, um regime totalitário que dominou o país por quase trinta anos levando fome e miséria ao povo foi substituído há dois anos por uma outra ditadura, desta vez uma junta militar.
Mesmo quem não entende de estatística ou de números é capaz de entender que os indicadores econômicos e sociais do Maranhão não nos aproxima das nações civilizadas do primeiro mundo, onde existe desenvolvimento econômico e social e conta com oposições pujantes, mas, sim, nos aproxima de ditaduras subdesenvolvidas da África, da Ásia e mesmo das Américas, onde impera a miséria e o povo, já aniquilado pela própria desgraça, acha normal o que passa e tem nos seus algozes, os salvadores da pátria.
É o que acontece no Maranhão.
Quando li que no estado a oposição, com ressalvas, se limita a três parlamentares, insuficientes até para forma um bloco de oposição, passei a entender que todos os trinta e nove restantes, acham que estamos muito bem, obrigado.
Devem ignorar que a situação de miséria do povo, que já era dramática, aumentou significativamente nos últimos anos; que o número de miseráveis do estado alcança mais de 50% da população; que continuamos na “rabeira” nos indicadores do IDH; que a educação encontra-se entre as piores do mundo; que os cidadãos continuam morrendo pela ausência de saneamento básico e por doenças que já deviam ter sido controladas e até de fome.
Ora, se está tudo muito bem, qual a razão para termos representantes do povo cobrando, fiscalizando ou instando os governantes a exercerem o seu papel com eficácia e competência?
O Maranhão que já era pobre, empobrece mais a cada dia, enquanto a classe política e as demais autoridades do estado acham que tudo vai muito bem.
Bem, talvez esteja tudo muito bem para eles.
Talvez os seus interesses pessoais e dos seus familiares e dos seus negócios estejam sendo atendidos, mas, e o povo?
Será que ignoram que, enquanto aumentam seus patrimônios, estão levando mais maranhenses e o próprio estado para a miséria absoluta, tal qual acontece nas piores ditaduras?
Uma das piores tragédias da humanidade ocasionada pela pandemia – como se fosse possível encontrar um efeito colateral pior que a pandemia em si, que já ceifou quase 240 mil vidas de brasileiros numa crescente que não para de aumentar –, é o que está acontecendo com os crianças maranhenses, já há quase um ano sem escola, se distanciando do conhecimento e ficando para trás em relação a outras crianças.
As crianças, os verdadeiros “filhos do povo”, a maioria da nossa população, simplesmente “perderam” o ano escolar.
Enquanto outras crianças, com posses, tiveram algum tipo de educação através de vídeo, ou plataformas disponibilizadas por suas escolas privadas, aquelas da rede pública não tiveram nada. Nem mesmo na capital conseguiram chegar perto de acompanhar as aulas pois lhes faltou – e lhes faltam –, computadores, internet ou mesmo qualquer estrutura e, as vezes, até o que comer.
A pandemia, para estas crianças, está tirando, também, a chance de futuro.
Esse é só um exemplo, mas serve para provar o quanto os “representantes do povo” estão dissociados da realidade dos representados.
Quantos foram ao menos uma vez à tribuna cobrar algo em favor da educação destas crianças? Ou mesmo foram à tribuna das redes sociais cobrar publicamente do governador ou do secretário uma solução para esta situação?
Se fizeram alguma gestão deve ter sido de forma secreta, até porque o governo estadual é “tão perfeito” que não precisa de deputados cobrando soluções para a fome ou para educação do povo.
Perdoem o sarcasmo.
Uma outra situação que me chamou a atenção nos últimos dias, também divulgada pela mídia e relacionada com a Assembleia Legislativa, colocando o estado numa situação de “mundo paralelo” de uma ditadura africana, foi o desfile de autoridades na abertura dos trabalhos legislativos e (re)posse da nova mesa diretora.
Pois bem, como sabemos, o atual presidente após “herdar” à presidência com o passamento do presidente anterior, na legislatura passada, elegeu-se para o mesmo cargo na legislatura seguinte e poucos dias depois, acho que pouco mais de um mês, as excelências já mudaram as regras históricas e o reelegeram para o segundo biênio no comando da casa.
A situação inusitada e exdrúxula foi denunciada solitariamente por mim em um texto. Procurem no nosso site.
Questionava, além do fato da intempestiva antecipação da eleição – dois anos antes –, a própria constitucionalidade do ato. Cobrei dos órgãos de fiscalização e controle atenção para o que estava acontecendo.
Como nada sou, ninguém ligou para minhas palavras.
Acontece que no final do ano passado o Supremo Tribunal Federal – STF confirmou o que disse há dois anos, ou seja, que não é possível a reeleição dos membros da mesa do parlamento dentro da mesma legislatura.
O STF não fez nada além de dizer que vale aquilo que resta expresso na Constituição Federal.
A piada mais interessante sobre a suprema decisão foi aquela que disse: “os ministros do Supremo decidiram que sabem ler”.
O mesmo tribunal, por um dos seus ministros, vetou a reeleição em situação idêntica no Estado de Rondônia, já agora no início de 2021.
Qual não foi minha surpresa ao assistir pela televisão que quase todas as autoridades do estado, incluindo aquelas que deveriam fiscalizar e cobrar o cumprimento das leis, estavam prestigiando a posse de alguém que não poderia ser eleito. E, pior, aplaudindo como se tudo estivesse correto.
Nenhum deputado, presidente de partido, membro do Poder Judiciário, Executivo ou mesmo do Ministério Público Estadual disseram ou fizeram nada em relação a uma situação flagrantemente ilegal e ainda foram aplaudir.
Ressalvo que se fizeram não deram o devido conhecimento aos pagadores de impostos, à patuleia ignara.
Vivemos em um mundo paralelo onde a Constituição Federal não se aplica aqui? Sim, pois a regra já estava na Carta desde 1988, o STF não “criou” ou “inventou” nada, só disse que aquilo que está escrito é o que, literalmente, vale.
Outra coisa, não existe “direito adquirido” contrário à Constituição Federal ao argumento de que o STF só decidiu que o dispositivo inserto lá tem eficácia.
A vedação já estava lá desde a sua promulgação há ais de trinta anos.
Pois é, lá estavam todas as autoridades que um dia juraram respeitar a Constituição, solenemente, a ignorando.
Era como se nada estivesse acontecendo ou como se muitos ali não tivessem qualquer pudor ou constrangimento.
É o Maranhão cada vez mais próximo da realidade do Sudão, e, infelizmente, não é apenas na rima.
A única coisa que faz com que a atual quadra política no Estado do Maranhão seja positiva é a triste certeza de o legado dos governantes de hoje para o futuro é bem pior que a realidade dos dias atuais.
Abdon Marinho é advogado.
P.S. Pensava sobre isso quando acordei as cinco da manhã para escrever este texto.