Embora praticamente metade da extensão do cerrado tenha sido comprometida pela produção agrícola, é necessário garantir a existência do bioma em concomitância com a atividade sustentável.
A avaliação foi feita por especialistas, nesta segunda-feira (25), em audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) que debateu o projeto de lei (PL) 5.462/2019, que prevê novas regras de proteção e desenvolvimento sustentável para o cerrado.
De autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), o projeto tem por objetivo tornar-se a primeira legislação federal de preservação do Cerrado, dispondo sobre conservação, proteção, regeneração, utilização e proteção da vegetação nativa e política de desenvolvimento sustentável.
Proponente do debate, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), observa que o cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e abriga as nascentes de importantes rios, mas não tem um marco de proteção e vive sujeito a ameaças. Em sua exposição, ele apontou a “permissividade e total inoperância” do governo Bolsonaro em lidar com a degradação ambiental do país.
— É forçoso admitir que há muita gente que não está cumprindo os procedimentos, não está agindo com diligência e não está sendo criminalizada. Os números e a própria natureza gritam ao contrário do que se tenta impingir a nós todos. Não estamos indo bem nesse assunto, mesmo fazendo esforço e nos organizando do ponto de vista das atividades privadas. Diante desse vácuo, o Legislativo precisa assumir tarefas de preservação da biodiversidade do Brasil. O Brasil precisa, sim, definir algumas políticas e alguns projetos de lei que sejam regionalizados por bioma. Os procedimentos devem ser harmônicos, mas há diferenças muito grandes entre os biomas — afirmou.
Índios, quilombolas e agricultura
Secretário Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e coordenador da Câmara Temática do Meio Ambiente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (Consórcio Nordeste), José Antônio Bertotti Júnior, observou que o cerrado é lar de centenas de povos indígenas e comunidades tradicionais e quilombolas, mas também um dos maiores e mais ativos polos agrícolas do mundo, sendo que as principais atividades são a criação de gado e o cultivo soja milho algodão cana de açúcar.
— A taxa de desmatamento do cerrado é de um milhão de hectares por ano, ou de 1,5% ao ano. Em 2050 teremos 15% ou menos do bioma. Esses números são indicativos. É necessário que se tomem medidas preventivas. Apenas 8% do cerrado é oficialmente protegido, mas menos de 3% está sob proteção integral. O projeto fala da necessidade de novas unidades de conservação para garantir a existência do cerrado como bioma e suas funções ambientais — afirmou.
Legislação sobreposta
Consultor de Meio Ambiente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e representante do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), João Carlos De Carli, disse que a elaboração de uma legislação específica para cada bioma pode originar um problema sério, tendo em vista as zonas de transição entre as formações vegetais.
— Cada tempo e momento exige um diálogo diferenciado. Já temos uma legislação, como o Código Florestal, que trata da preservação e uso sustentável, reserva legal e área de preservação permanente. Temos a Lei da Mata Atlântica. Temos a Lei das Unidades de Conservação, a Política Nacional de Meio Ambiente, a Lei de Crimes Ambientais e temos o direito de propriedade. Devemos primeiro trabalhar na legislação existente hoje, no Código Florestal. Não é só criar novas áreas de proteção, temos que gerir aquilo que já existe. As áreas de preservação permanente e de reserva legal ocupam hoje aproximadamente 17% do cerrado – afirmou.
Gestão ambiental produtiva
Pesquisador da Embrapa Cerrados, José Felipe Ribeiro, defendeu a gestão ambiental produtiva da propriedade como forma de diminuir a distância entre produção rural e o meio ambiente.
Ribeiro destacou a importância do projeto de lei e sugeriu mudanças. Ele advertiu que o texto guarda relação com a legislação ambiental em vigor, o que aponta para a necessidade de evitar as redundâncias nas normas legais. A biodiversidade do cerrado apresenta 12 mil espécies, e só perde para a Amazônia em termos de riqueza ambiental, afirmou.
— É importante definir, em base cientifica, o período fenológico de coleta e o volume permitido a ser coletado para cada uma das espécies objeto de exploração, para não afetar a manutenção destas e evitar a erosão genética, ou mesmo desaparecimento da espécie. Como o objetivo do PL é focado na conservação, proteção, regeneração na utilização e proteção da vegetação nativa, se faz necessário a classificação das pastagens para que se possa propor políticas públicas que possam promover ações para a recuperação a vegetação nativa ou das pastagens degradadas, de acordo com os mapeamentos — afirmou.
Interlocutor confiável
Presidente da CDR, o senador Fernando Collor (Pros-AL), afirmou que o Brasil não pode perder o papel de interlocutor confiável do planeta nas questões ambientais. Ele também destacou a realização da COP 26 — Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima —, que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), por sua vez, defendeu o aprimoramento do projeto do senador Jaques Wagner, apontou o desafio de manter o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Ele também apontou o “descaso” com a questão hídrica e com as nascentes do cerrado.
— É preciso ver se o projeto vai delimitar bem o uso do cerrado de forma sustentável. Temos uma economia sustentada pelo agro, o que muito se deve à Embrapa, que tornou o cerrado produtivo, mas talvez tenhamos exagerado um pouco ao usá-lo de forma pouco sustentável. Temos que manter o agro, mas sem prejudicar o meio ambiente, que é fundamental – concluiu.
Fonte: Agência Senado