O Dia Nacional da Adoção, celebrado nesta quarta-feira (25), foi marcado no Senado Federal pela homenagem a pessoas e instituições que desenvolvem iniciativas para agilizar a adoção de crianças e adolescentes fora do perfil procurado pela maioria das família. Durante a solenidade da primeira edição do Prêmio Adoção Tardia, os participantes defenderam a transformação da cultura do processo adotivo no Brasil de modo a torná-la mais inclusiva e solidária.
Na avaliação do senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor do projeto de resolução (PRS 35/2021) que criou a premiação, o sentimento de constituição de família não conhece classe social, cor ou orientação sexual. Para ele, que também recebeu a homenagem e por várias vezes foi às lágrimas durante a sessão, a formação familiar é aquela em que se semeia e colhe amor. No entanto, ele alertou que o preconceito tem emperrado o andamento da fila de adoção no Brasil.
O senador, que é casado com Rodrigo Groberio com quem tem dois filhos por meio de processo de adoção, relatou que teve a dupla paternidade negada pelo Ministério Público, quando o promotor da vara da infância e da juventude, naquela ocasião, não reconheceu sua união homoafetiva, o que foi posteriormente revertido pelo Tribunal de Justiça. Além disso, ele argumentou que critérios estabelecidos por muitos adotantes, como idade, sexo, cor da pele, cabelo e olhos têm dificultado as ações de se encontrar uma família para muitas crianças e adolescentes. Ele defendeu a transformação dessa cultura por meio do combate ao preconceito.
— Sabemos que há uma proporção enorme de pessoas habilitadas a adotar. Porém, as restrições relacionadas a idade, cor, condição física pesam de tal maneira que jogam as estatísticas da adoção para baixo. Preconceitos de toda ordem disseminam-se pelo nosso tecido social, mas políticas públicas de reparação das injustiças e da desigualdade servem de contrapeso. Congregar esforços, agir coletivamente, buscar apoios, romper resistências, tudo isso patrocina a causa da adoção, que depende enormemente da maneira como a sociedade lida com os preconceitos, com a intolerância, com o ódio — afirmou.
Nessa primeira edição do prêmio, foram homenageadas quatro instituições: Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte; Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, pelo projeto Em Busca de um Lar; Tribunal de Justiça do Espírito Santo, pela Campanha Esperando por Você; e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pelas iniciativas Projeto Dia do Encontro, Projeto Busca-se(R) e Aplicativo Adoção. Além desses, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, decidiu conceder a comenda ao senador Fabiano Contarato em reconhecimento a sua atuação em defesa do tema.
Ao entregar o prêmio, Pacheco agradeceu as contribuições de Contarato na apresentação e defesa de proposições que visam a tornar o processo de adoção mais simplificado, célere e menos burocrático no país. Ele ainda destacou a evolução de normas legislativas para acelerar a busca ativa e a efetivação, principalmente, daqueles atores que estão na fila e enfrentam maior dificuldade para encontrar uma família. No entanto, alertou que além de aprimorar o instituto jurídico da adoção, é fundamental ações de conscientização que sejam capazes de transformar a cultura de adoção no país a tornando mais justa e inclusiva.
— No movimento de mudança do perfil dos adotados, sobressai o desafio da adoção tardia, o desafio da colocação familiar de crianças parcialmente desenvolvidas, menos dependentes, muitas das quais já ingressaram na fase da pré-adolescência; crianças que não têm as características tradicionalmente desejadas pelos adotantes e, por isso, correm risco de envelhecer, de serem esquecidas nas instituições de acolhimento; crianças com chances reduzidas de adoção em decorrência do sexo, da etnia ou da cor da pele; crianças de características incompatíveis com o tipo idealizado, infelizmente ainda predominante na cultura da adoção, bebês recém-nascidos, do sexo feminino, de cor branca — observou.
Ainda de acordo com Pacheco, quase 9 mil crianças estão atualmente disponíveis para adoção ou em processo de adoção no Brasil.
Humanização
Kênya de Carvalho, que é assistente social e responsável técnica pelo Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte, classificou a homenagem como um grande reconhecimento e estímulo ao desenvolvimento desse tipo de trabalho que envolve uma rede de profissionais e voluntários. Para ela, é uma oportunidade também para alertar sobre a necessidade de se humanizar mais esse processo.
— A Lei que nós temos hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente [Lei 8.069, de 1990], tem um texto muito bem escrito, é muito bem formulada, e nós só precisamos fazer com que aquilo funcione em termo de prazo e, principalmente, precisamos priorizar as crianças e os adolescentes não em detrimento de uma família biológica que violou o seu direito, mas precisamos sim cuidar dessas famílias biológicas enquanto assistência social, para que elas sejam funcionais, porém mais com um olhar asseverado ali para a criança e para o adolescente e, principalmente, olhando os prazos. A criança cresce muito rápido — declarou.
Já Helerson Elias Silva, da Comissão Estadual Judiciária de Adoção do estado do Espírito Santo, do Tribunal de Justiça do mesmo estado, disse que a Campanha Esperando por Você nasceu pela identificação das dificuldades de se encontrar famílias interessadas em acolher crianças com um perfil de idade superior a três anos. De acordo com ele, o projeto tem avançado e conseguido alcançar o objetivo de conscientização e humanização dos pretendentes. Até agora, segundo ele, a ação já recolocou 28 crianças e adolescentes no seio familiar.
— Quando começamos essa campanha de adoção, lá em 2017, tínhamos estes perfis de criança que eram difíceis de conseguir adoção: crianças mais velhas, grupos de irmãos, crianças com alguma doença ou deficiência. E tínhamos uma criança em especial para a qual já há dois anos procurávamos família e não conseguíamos. E a gente pensou que, nessa campanha de adoção, se a gente conseguisse adoção para essa criança, já teria valido a pena. Graças a Deus, conseguimos adoção para esta criança e para mais 28 – adolescentes de 16 anos, grupos de três irmãos, crianças com doenças, deficiências –, sendo que não conseguíamos, de maneira nenhuma, adoções para esses perfis — relatou.
Papel da Justiça
A presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, lembrou que o Poder Judiciário não pode se limitar apenas ao julgamento de processos. Para ela, é preciso estar cada vez mais conectado com as demandas e a realidade da sociedade na busca de soluções, como é o caso da adoção tardia de crianças e adolescentes.
— Exemplificando com dados do Rio Grande do Sul, há atualmente 3.686 pessoas habilitadas para adotar, ao passo que existem 317 jovens aptos à adoção, evidenciando-se, assim, a necessidade de estimular a mudança de perfil preferido por aqueles que pretendem adotar. Por meio do Aplicativo Adoção, do projeto Dia do Encontro, agraciado com o Prêmio Innovare e do Projeto Busca-Se(R), o Tribunal de Justiça gaúcho tem buscado conectar histórias de vida e viabilizar a adoção tardia, a fim de que crianças, adolescentes com mais idade, com menos expectativa de serem adotados, sejam acolhidos por um lar — acrescentou.
O juiz da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), Renato Rodovalho Scussel, que recebeu a comenda pelo projeto Em Busca de um Lar, parabenizou a ação do Senado. Na visão dele, o reconhecimento vem no sentido de quebrar paradigmas e demonstrar a necessidade do envolvimento de várias frentes para atender as demandas específicas que a adoção tardia exige. Ele observou que o processo de adoção no Brasil não é demorado, porém, segundo ele, o que dificulta é todo momento que antecede o início do procedimento formal.
— O processo de adoção é mais rápido do que nove meses, que é o período de gestação de um filho. Entretanto, o que é difícil é efetivamente chegar ao momento do processo de adoção (…) é justamente o processo de destituição do poder familiar, as crianças que ficam ainda nos abrigos e essa eternização do processo de acolhimento. Então, é esse olhar específico que a gente tem que ter e aqui realmente, ressaltando a adoção tardia, eu acredito que nós vamos chegar — avaliou.
A iniciativa ainda foi elogiada pelos senadores Lazier Martins (Podemos-RS), Zenaide Maia (Pros-RN) e Jaques Wagner (PT-BA). Eles reconheceram a liderança de Contarato no desempenho de ações e aprovação de projetos no Congresso Nacional com o objetivo de assegurar os direitos básicos ao cidadão e, principalmente, na busca incansável de assegurar a convivência familiar a crianças e adolescentes.
— O Senado, num momento como este, numa sessão desta, em homenagem ao Dia Nacional da Adoção, vem mostrar a necessidade do amor ao próximo. Isto é ser cristão: amar ao próximo. E eu acho que não existe um ato maior de amor ao próximo do que adotar uma criança. Aquela que está, como se diz… Ela tem amor a oferecer. E nessa luta nós vamos continuar — concluiu Zenaide.
Fonte: Agência Senado