Em um marco histórico, os cartórios brasileiros iniciaram a retificação das certidões de óbito de 434 mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985). A medida, regulamentada pela Resolução n. 601/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visa corrigir os registros para reconhecer oficialmente que as mortes ocorreram de forma violenta e foram causadas pelo Estado brasileiro no contexto da repressão política.
A nova fase desse processo foi lançada na última quinta-feira (23), com a retificação da certidão de óbito do ex-deputado federal Rubens Paiva. O documento agora informa que a morte foi resultado de uma ação violenta praticada pelo Estado, em substituição às informações anteriores que omitiam a verdadeira causa.
Entrega gratuita das novas certidões
As novas certidões de óbito, que podem ser solicitadas gratuitamente por familiares ou qualquer interessado, começarão a ser entregues em fevereiro. Os cartórios estão sendo mobilizados pela Associação de Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen) para cumprir o prazo de 30 dias estabelecido pela resolução.
Segundo o Operador Nacional de Registro Civil de Pessoas Naturais (ONRCPN), há 202 casos de retificação de certidões de óbito já registradas e 232 novos registros que ainda precisam ser emitidos. O objetivo é assegurar que todos os documentos refletem a verdadeira causa das mortes, respeitando o contexto histórico e os direitos das famílias.
Reconhecimento tardio de violações
A decisão foi um desdobramento de recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade em 2014 e segue orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O reconhecimento oficial da responsabilidade do Estado pelas mortes de opositores do regime militar é um passo fundamental na reparação histórica e moral das vítimas e seus familiares.
O presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, destacou a importância da medida durante a 16.ª Sessão Ordinária de 2024, em que a resolução foi aprovada por unanimidade. “Este é um ato de justiça histórica, um esforço para resgatar a dignidade de quem foi perseguido e morto por lutar pela democracia”, afirmou.
Contexto histórico e mudanças na documentação
Até então, as certidões de óbito dessas vítimas traziam apenas uma referência genérica à Lei 9.140/1995, que reconhecia como mortas as pessoas desaparecidas em função de perseguição política entre 1961 e 1979. Com a nova resolução, os documentos passam a detalhar que as mortes foram violentas, causadas pelo Estado no contexto de perseguições sistemáticas.
Os custos relacionados ao processo de retificação serão ressarcidos aos cartórios pelas corregedorias-gerais dos tribunais estaduais responsáveis pelos registros.
Reparação às famílias
A atualização das certidões é vista como mais um passo na reparação histórica para os familiares das vítimas. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) irá organizar a entrega formal das novas certidões.
A iniciativa marca um avanço no compromisso do Brasil com os direitos humanos e a memória histórica, buscando encerrar décadas de silenciamento sobre as violações cometidas durante o período ditatorial.