Por José Sarney
Não há palavra mais usada e gasta no vocabulário político do que reforma. Quando as coisas precisam mudar e parecem gastas, o caminho a que se lança mão é o apelo a reforma. Vem do Império o primeiro chamado forte a ela, para conjurar a República que já surgia. E veio do conselheiro Nabuco de Araújo, conservador que se tornou liberal e bradou, num momento de grandes dificuldades: “OU REFORMA OU REVOLUÇÃO!”.
Dizia que se não se fizesse uma grande reforma no sistema político, inevitavelmente viria a revolução. E aos trancos e barrancos fomos avançando em reformas parciais, a mais profunda delas a reforma eleitoral do Conselheiro Saraiva, que criou o voto direto.
Passei 51 anos no Congresso, deputado federal e senador, e tornei-me o político que mais tempo passou no Senado Federal. Em todos estes anos, não se passou uma só legislatura sem que houvesse uma reforma salvadora para ser votada — e nunca uma sequer foi completamente aprovada.
A mais ruidosa que presenciei não era uma reforma, mas um cacho delas, que o Governo João Goulart propôs sem que se soubesse exatamente o que era em seu conjunto, e cuja síntese, consolidada no famoso Comício das Reformas de 13 de março de 1964, de que até o ministro do Exército participou e no qual o presidente da República pronunciou um discurso violento, que precipitou outros atos pelo reformismo — como o dos Cabos e o dos Marinheiros —, o fez vítima da manifestação militar que nos levou a um regime autoritário que durou 20 anos.
Estas considerações que faço é para dizer que a mais necessária e urgente de todas as reformas é a política, que perdeu a oportunidade de ser feita na Constituição de 1988 e não foi construída até hoje. Assim, entramos num regime híbrido, parlamentarista e presidencialista, que, não se sustentando nas pernas, partiu para o chamado “presidencialismo de coalizão”, que é apenas uma real politics, em que o governo vive na corda bamba, fazendo concessões e criando instabilidade. O resultado são governos em que se vive de ameaças de impeachment contra o presidente e contra os ministros da Corte Suprema, e qualquer marola, a ser resolvida pelos partidos, pode bater num processo de impedimento.
Não há país que possa conviver com esse modo de governar. Precisamos ter a coragem de partir para o parlamentarismo, em que as crises derrubam os Gabinetes, mas não abalam a República.
Assim vivemos entre o dilema do tempo da capital no Rio de Janeiro — “a Vila Militar vai descer!” ou “Golpe!” — ou o de agora — o impeachment e os problemas militares. Isso não pode continuar. Assim a reforma urgente que temos que fazer é tornar o País governável.
As opções são a reforma política para valer, saindo do presidencialismo de coalizão, adotando um regime parlamentarista ou semipresidencialista e, para acabar com a multidão de partidos, o voto distrital misto — ou continuar vivendo de emendas constitucionais e medidas provisórias em pleno terremoto político.