Na quarta-feira, 8, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão com potencial de gerar ganhos bilionários aos cofres da União, ao custo do prejuízo de empresas que tinham garantido na Justiça o direito de não pagar determinados tributos. A reversão de decisões definitivas preocupa os contribuintes não só pela perda financeira, mas também pela falta de previsibilidade das regras tributárias.
Os ministros concluíram, por unanimidade, que decisões judiciais tomadas de forma definitiva a favor dos contribuintes devem ser anuladas se, depois, o Supremo tiver entendimento diferente sobre o tema. Ou seja, se anos atrás uma empresa conseguiu autorização da Justiça para deixar de recolher algum tributo, essa permissão perderá a validade automaticamente se — e quando — o STF entender que o pagamento é devido.
O posicionamento do STF vale para casos em que o não pagamento tenha sido garantido por decisão judicial transitada em julgado, quando não tem mais nenhuma possibilidade de recurso.
Antes, a chamada “coisa julgada” só poderia ser revista se a Receita Federal entrasse com uma ação rescisória na Justiça, no prazo máximo de dois anos depois da decisão judicial. Agora, se o Supremo decidir que a cobrança de determinado tributo é constitucional, todos os contribuintes terão que pagá-lo, sem necessidade de nenhuma ação por parte do Fisco.
As ações julgadas pelo STF na quarta-feira tratam especificamente da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), mas o caso tem repercussão geral. Isso significa que os efeitos se estendem a outras situações tributárias, como a cobrança de IPI na revenda de produtos importados, que já foi rediscutida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na quarta-feira, e da contribuição patronal sobre o terço de férias.
Decisão do STF sobre tributos e a insegurança jurídica
Nos votos a favor da quebra da “coisa julgada”, os ministros argumentaram que a medida busca garantir a igualdade de condições entre concorrentes. Permitir que alguma empresa deixe de pagar tributos com base em uma decisão individual, mesmo após julgamentos do STF de caráter geral, seria injusto com outras do mesmo setor.
Uma empresa que conseguisse na Justiça deixar de pagar a CSLL, por exemplo, teria mais condições de diminuir o preço dos produtos do que as concorrentes. Para evitar essa “injustiça tributária”, o STF entende que a determinação da Corte deve se sobrepor à coisa julgada.
Advogados tributaristas, no entanto, dizem que a decisão do STF gera insegurança jurídica e acaba com a previsibilidade dos contribuintes em relação ao pagamento de tributos. “A gente vai demorar muito tempo para entender os reais efeitos dessa decisão”, afirma a advogada Priscila Faricelli, sócia da área tributária do Demarest Advogados.
No mesmo dia do julgamento no Supremo, a 1ª seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu o entendimento que permitia que contribuintes catarinenses deixassem de pagar o IPI na revenda de produtos importados. Ainda com base no precedente da CSLL, são esperadas mudanças na base de cálculo do PIS/Cofins e em contribuições patronais.
“Na tentativa de prestigiar o princípio da igualdade entre contribuintes e cedendo ao afã arrecadador do Fisco, o posicionamento do STF é preocupante por vários motivos, principalmente por aumentar a insegurança jurídica no âmbito tributário”, diz o advogado Maurício Braga Chapinoti, especialista em direito tributário do Dias Carneiro Advogados. “Há quem diga que o STF criou um conceito: a coisa desjulgada”, aponta.
Modulação e “imposto retroativo” de decisões definitivas
Os 11 ministros concordaram com a possibilidade de reverter a coisa julgada, mas nem todos tiveram a mesma opinião sobre o momento em que a decisão definitiva deixa de valer. Por seis votos a cinco, eles acabaram decidindo que a cobrança pode ser feita assim que o STF reconhecer a validade do imposto.
“Ficou muito claro que isso vale para todos os tributos e todas as situações”, diz Faricelli. No caso da CSLL, o STF decidiu em 2007 que a cobrança é constitucional. Mesmo assim, muitas empresas não recolheram o tributo nos últimos anos porque tinham decisões definitivas que autorizavam o não pagamento. Essas decisões perdem a validade.
Quem se baseou na coisa julgada para deixar de pagar a contribuição de 9% sobre o lucro líquido desde 2007 será cobrado pelos valores que não recolheu nesse período. Parte dos tributaristas entende que, se a empresa nunca pagou a CSLL, a Receita poderá cobrar o que, na visão do Supremo, deveria ter sido pago desde 2018.
Cinco ministros discordaram dessa posição. O ministro Edson Fachin propôs que a medida começasse a valer a partir de agora, mas foi voto vencido. Um argumento comum entre os outros seis ministros foi que a cobrança não deveria ser surpresa, porque o STF já havia deixado claro, há anos, que o imposto era devido.
“A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que o tributo era devido, continuar a não pagá-lo ou a não provisionar”, disse o ministro Luís Roberto Barroso. Segundo ele, quem não pagou a CSLL desde 2007 “fez uma aposta”.
Para muitos contribuintes, porém, a situação não é tão simples. “No caso da CSLL, muitas empresas que tinham decisão favorável tiveram essas decisões mantidas pelo próprio Supremo em ação rescisória, mesmo após o julgamento de 2007. Ou seja, é um elemento surpresa”, observa Faricelli.
Em vídeo publicado pelo STF na sexta-feira, 10, Barroso afirma que a modulação de efeitos — ou seja, a validade só do momento da decisão em diante — pode ser vista caso a caso em relação a outros tributos, para ver “se justifica ou não a incidência só dali para a frente”. Mas, no caso da CSLL, “não tem dúvida”, reforçou.
Para a advogada Demarest, o STF deixou claro no julgamento que esse entendimento se aplica a todos os tributos, não apenas à CSLL. A nova orientação “certamente vai reverberar não só na condição das empresas, mas em outras situações concretas que já possam ter sido solucionadas no passado”, diz.