Em boa fase, o São Paulo visitou o Atlético Mineiro em jogo importante na briga pelo título do Campeonato Brasileiro. Aos 29 minutos do primeiro tempo com a partida ainda empatada por 0 a 0, Luciano abriu o placar. O gol que poderia ter dado tranquilidade e garantido um bom resultado em Minas Gerais acabou anulado pelo VAR, apesar de, a olho nu, a linha traçada mostrar o atacante na mesma linha do último defensor. O Galo venceu o jogo por 3 a 0, enquanto os tricolores se revoltaram com a arbitragem. Afinal, Luciano estava ou não impedido? O árbitro de vídeo é suscetível a erros? Um funcionário do alto escalão da arbitragem da CBF contou a PLACAR como as análises são feitas e garantiu que as marcações polêmicas de impedimentos foram corretas, mas pediu menos demora nas decisões.
“Muita gente critica sem saber nada sobre o processo. Se foi marcado um lance de impedimento, não tem erro. A linha foi traçada e havia uma parte do corpo do atacante à frente do defensor, por menor que seja. Se a câmera da transmissão não mostra, há alguma outra que deixa isso claro para o árbitro de vídeo”, disse o profissional da CBF, que preferiu não se identificar. Leonardo Gaciba, presidente da comissão de arbitragem da CBF, não atendeu a reportagem nem se manifestou publicamente até o momento.
“Após a implementação do VAR, passamos a ter apenas 2%, 3% de erros. Aumentamos a taxa de acerto em 80%. Os raros erros acontecem apenas em lances de pênalti, de cartão, nunca de impedimento”, completa, citando o conceito de paralaxe, um termo usado na física e na astronomia, que trata da forma como um mesmo objeto pode ser visto de ângulos distintos. A paralaxe explicaria por que, a olho nu e sob outra perspectiva, a imagem da TV pode ser diferente do que realmente ocorreu.
O processo nas competições brasileiras para assinalar um impedimento é manual. O operador de vídeo que fica na sala do VAR identifica o momento em que o jogador encosta na bola para definir o frame em que a linha do último defensor será analisada. Muitas vezes a bola está fora do quadro e é necessário utilizar outras câmeras para conseguir traçar o ponto mais próximo do atacante em relação ao gol e definir se ele está impedido ou não. Em algumas situações, a câmera lateral não é suficiente e a equipe do VAR busca outro ângulo. Como as imagens não chegam aos espectadores, inicia-se a polêmica.
O membro da alta cúpula da arbitragem da CBF explicou que o atual protocolo do VAR proíbe que as imagens da sala do VAR sejam divulgadas ao público. Segundo ele, haverá uma reunião no conselho da Fifa em março do ano que vem para tratar do assunto e dar mais transparência ao processo. “Gostaríamos de abrir as imagens, mas a Fifa nos proíbe. É horrível pra vocês, é horrível para nós, é horrível para todo mundo. Muita gente fala dos Estados Unidos, que está abrindo os vídeos com a comunicação dentro da sala do VAR, mas são apenas testes realizados para ver com isso funcionaria”, alega.
A tecnologia e a demora são pontos que ainda preocupam. O profissional admitiu que a CBF não tem um software de última geração e nem tantas câmeras à disposição como acontece nos campeonatos europeus. Se não fosse pela pandemia, o sistema teria sido trocado por um que permite a triangulação automática das câmeras e a identificação do impedimento pelo próprio programa. Testes chegaram a ser feitos com os árbitros, mas a paralisação não permitiu nem que a empresa de desenvolvimento pudesse entregar todo o sistema, tampouco que os profissionais fossem testados para poder manipular o novo software. A novidade deve ser implementada no Brasileirão do ano que vem.
Isso diminuiria o tempo de espera para a análise de cada lance, hoje feita com o operador de vídeo do VAR traçando a linha manualmente. Apesar da aparente demora, o membro da arbitragem da CBF garante que o tempo médio de parada para a checagem dos lances diminuiu e está três segundos mais rápido do que no ano passado. “Mesmo assim, vai demorar um minuto e meio pelo menos. O Gaciba fala: é como uma ambulância. Não adianta ser rápido e não conseguir salvar o paciente. Se for lento e salvar, está excelente”.
Ex-árbitros condenam o VAR nos lances polêmicos
PLACAR conversou com dois ex-árbitros para analisar o lance envolvendo Luciano no jogo entre São Paulo e Atlético Mineiro. Arnaldo Cezar Coelho e Sálvio Spinola, que se tornaram comentaristas de arbitragem do grupo Globo, avaliaram como um erro a marcação de impedimento no lance. “É um absurdo marcar esse impedimento”, avaliou Arnaldo, hoje aposentado também da função de comentarista após 29 anos ao lado de Galvão Bueno.
Para Salvio, Luciano estava na mesma linha do último defensor do Galo e o VAR considerou o ombro do atacante como a parte mais à frente, e não o joelho, escondido pela posição da câmera. “Realmente está difícil entender esta computação gráfica. Como a linha vermelha (que indica a posição do atacante) prevaleceu, consideraram impedido”, explicou.
Arnaldo Cezar Coelho e Sálvio Spinola também falaram sobre um debate que acontece na comissão de arbitragem da Fifa sobre uma mudança na legislação do futebol. A entidade estuda alterar a “regra 11”, que fala sobre impedimento, e passar a considerar o corpo inteiro de um atacante na hora de identificar se o atleta está ou não fora de jogo – hoje a regra considera apenas cabeça, tronco e pernas. De acordo com Sálvio, o debate segue, mas é muito difícil que a norma seja alterada. O membro da arbitragem da CBF afirmou que isso deve ser debatido no próximo encontro da Fifa no ano que vem.
Fonte: Veja.com