Por Steffano Silva Nunes
“Meu Deus do céu, derrubaram o abrigo.” Foi com essas palavras que minha mãe, Dona Anadir, reagiu ao assistir junto comigo o noticiário do Jornal do Maranhão segunda edição, da noite de sábado. O abrigo era uma edificação que reunia pequenas lanchonetes e restaurantes na área do Largo do Carmo e da praça João Lisboa, no centro da nossa querida São Luís.
O abrigo também era apelidado com bom humor de “come em pé” por sua característica de ter as refeições servidas e consumidas no próprio balcão, sem cadeiras para sentar. Quando minha mãe, ainda adolescente, se aventurou em uma lancha saindo do município de São João Batista para atravessar a baía de São Marcos, rumando a São Luís, buscando dias melhores de sobrevivência através do estudo e do trabalho, morando na casa de parentes, no início da década de 1960, o abrigo já estava lá e possuía um certo glamour, emoldurado pelas linhas férreas dos bondes. Marcou sua lembrança.
É bem verdade que com o tempo e com a falta de cuidado e manutenção, a beleza foi se esvaindo e as refeições já não se mostravam tão atrativas. Houve uma época que eu mesmo com um grupo de amigos, saiamos da praça Deodoro em direção à Praia Grande e tínhamos como certo a parada no abrigo que possuía entre os seus produtos o primeiro, e durante certo tempo, talvez o único caldo de cana da cidade, servido em copos de vidro saídos da assepsia na água fervente, bem quentes, contrastando com o gelo acrescido na garapa que a deixava bem fria.
Logo que soube da notícia recordei que o debate sobre a retirada do abrigo já vem de um certo tempo. Sempre houveram os que se sentiam incomodados com a sua situação recente. Por outro lado, ele sempre foi um fonte de renda para famílias que ali trabalhavam e como já havia adquirido longevidade, tinha 70 anos de idade, a sua história já estava incorporada à história de uma cidade histórica e dentro de uma área de um centro histórico.
Um laudo identificou que a estrutura do abrigo estava comprometida, mesmo sendo uma pequena edificação de um só pavimento não houve solução técnica, aparentemente. Da mesma forma não houve solução para se manter as bancas de revistas do Renascença 2 que não foram demolidas, mas foram retiradas de onde se encontravam a mais de 20 anos sob o protesto dos proprietários e de clientes, apesar do momento de uma pandemia, que deve tornar mais difícil a vida de quem delas tirava o sustento.
Tanto a demolição do abrigo quanto a retirada das bancas causaram surpresa. Mesmo partindo do princípio de que a promoção e execução das duas ações tenha se dado dentro dos limites da lei, ficou a impressão de que o poder público não considerou a possiblidade de soluções intermediárias. O uso da força do poder estatal foi a marca decisiva de duas situações que poderiam ser resolvidas de outra forma, que buscasse ao mesmo tempo o bom senso e o meio-termo.
A presença das bancas não parecia criar qualquer problema para quem vivia ou trabalhava próximo do local onde estavam. Eram remanescentes de uma época em que a leitura gerava o hábito até mesmo de passearmos nas bancas. O abrigo poderia ter uma nova destinação e ser restaurado, como está sendo o prédio da antiga RFFSA. Era parte da história e da vida de muitas pessoas que nasceram e cresceram acostumadas com a sua existência. Tenho esperança de que no futuro o poder estatal consiga encontrar soluções de forma mais conciliatória na vida da nossa cidade, enxergando a todos e fugindo da tentação de ver o mundo com um olho só.