BRASIL – Celebração central do calendário cristão, a Sexta-Feira Santa marca um momento de profunda simbologia religiosa e cultural. A data relembra os últimos passos de Jesus Cristo antes da crucificação e faz parte do tríduo pascal, período que também compreende o sábado e o domingo da ressurreição, a Páscoa.
Celebrada em diferentes regiões do Brasil com procissões, encenações da Via Sacra e liturgias especiais, a Sexta-Feira Santa vai além do aspecto religioso. Para a doutora em Teologia Ana Beatriz Dias Pinto, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a origem da celebração remonta às tradições judaicas, especificamente à Festa de Pessach. “Jesus foi crucificado numa sexta-feira para que sua execução não interferisse nas festividades judaicas. É um marco simbólico que une antigas tradições e uma nova proposta espiritual”, explica.
Durante a Festa de Pessach, era costume o sacrifício de um cordeiro como proteção, evocando a libertação do povo hebreu no Egito. No cristianismo, essa imagem foi ressignificada com Jesus como o “cordeiro de Deus”, que se sacrifica para redimir os pecados do mundo, como destacam os evangelhos e as cartas de São Paulo.
Um luto que inspira mudança
Na liturgia católica, a Sexta-Feira Santa é um dia de luto. Não há celebração da eucaristia, e a adoração da cruz ganha destaque como sinal do sacrifício de Cristo. Em muitos lugares do Brasil, essa devoção se expressa em gestos como beijos e genuflexões diante da cruz — algo que varia conforme a cultura de cada povo.
“O tom é de silêncio, contemplação e austeridade. É como um velório de alguém muito querido — nesse caso, o líder máximo do cristianismo”, observa a teóloga. As encenações da Via Sacra também reforçam essa memória coletiva da dor e da entrega.
Muito além do cristianismo
Embora tenha raízes cristãs, a Sexta-Feira Santa e a Páscoa são períodos que transcendem fronteiras religiosas. Tradições afro-brasileiras, como umbanda e candomblé, também celebram o renascimento espiritual nessa época, realizando festas para Oxalá, orixá associado a Jesus Cristo no sincretismo religioso.
Já entre os espíritas, o momento é visto como um símbolo da evolução do espírito. “A ressurreição é entendida como sobrevivência da alma, sem rituais, mas com grande respeito pela mensagem de renovação interior”, pontua Ana Beatriz.
Feriado oficial com raízes culturais
Mesmo sendo um Estado laico, o Brasil reconhece a Sexta-Feira Santa como feriado religioso desde 1995. “Trata-se de uma prática que faz parte da nossa história, da nossa cultura e das crenças de grande parte da população”, lembra a teóloga.
Reflexão além da fé
Mais do que um evento religioso, a data pode ser um convite à introspecção e à mudança. “É tempo de olhar para dentro, mas também para fora — para as desigualdades, para o sofrimento coletivo, e pensar em como podemos transformar essa realidade”, conclui Ana Beatriz.