Uma sequência de assassinatos de trabalhadores rurais no interior do Maranhão preocupa entidades de direitos humanos e do campo. A Regional Nordeste 5 da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) publicou uma nota de repúdio ao governo do estado, comandado desde 2015 por Flávio Dino (PSB), cobrando ações para frear a tensão no campo. Entre junho e outubro, seis homicídios foram registrados no campo. “Tal escalada de violência tem razões estruturais.
A aposta governamental no aumento do agronegócio tem relação direta com casos de grilagem e morte no campo, e o incentivo a megaprojetos, com o aumento da degradação socioambiental e a expulsão de comunidades a todo o custo de vida”, diz a nota da CNBB.
Os primeiros assassinatos ocorreram em 18 de junho e vitimaram Reginaldo Alves Barros e Maria da Luz Benício de Sousa, no povoado Vilela, em Junco do Maranhão, na região da baixada maranhense. Segundo entidades, foi o quarto homicídio registrado nessa comunidade desde 2019.
Em julho, outras três mortes foram registradas em Arari, Codó e Palmeirândia. Em 29 de outubro, outro crime: João de Deus Moreira Rodrigues, 51, também em Arari.
“Somam-se negligências nas investigações por parte do estado do Maranhão e instituições competentes, transformando a impunidade em verdadeiras licenças para matar”, afirma ainda a nota.
“Nessa região do Matopiba (área que envolve os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) avança assustadoramente a cultura da soja, e isso leva a ameaças aos trabalhadores rurais. Mas há outras questões mais antigas também, como na região da baixada, que é uma situação particular”, afirma.
“Ali na baixada há uma questão dos campos naturais e há um empenho para que eles não sejam cercados; mas muitos pequenos e médios proprietários insistem em fazer cercas. O estado –que deveria tomar conta disso, orientar– muitas vezes não cumpre seu papel. Por isso os conflitos se acirram naquela região.” Dom Valdeci, bispo de Brejo
Ele afirma que, diante da ausência de políticas públicas na área do governo federal, espera que o governo de Flávio Dino se empenhe em dar solução aos problemas. “O governo federal não está nem aí para essas causas, claro que percebemos. Mas aqui, mesmo sendo um governo de esquerda, há um certo descaso com os trabalhadores e trabalhadoras rurais. Há cada vez mais abertura para o agronegócio”, diz.
Outra reclamação é sobre a interlocução. “A gente procura a Secretaria de Meio Ambiente, mas esse diálogo não acontece. E aí saem algumas licenças para empreendimentos em áreas de comunidades quilombolas, de comunidades tradicionais. Há uma omissão em que se comprometem mais.”
Por fim, ele alega que falta também investigar a fundo os crimes no campo. “Notamos que há um empenho inicial, há uma reação, mas depois isso esfria, e essas questões não vão para a frente. É uma das coisas que colocamos como desafio”, diz.
Ele ressalta que há ainda uma série de cobranças, feitas por meio de ofícios pela entidade que representa, a diversas esferas do poder público cobrando atenção para o crescimento de conflitos em diversas áreas do interior do estado.
“Essas comunidades estão sendo invadida por empreendimentos de soja; inclusive tivemos despejo por ordem judicial no ano passado, no meio de uma pandemia”, diz.
Conflitos antigos
Segundo Gilberto Lima, do Conselho Pastoral dos Pescadores, os conflitos socioambientais no estado existem desde o início da década de 1980, mas nos últimos oito anos houve uma escalada com avanço da agronegócio.
“O governo do estado tem apostado muito no aumento do agronegócio, incentivado os megaprojetos. Isso tem ligações com grilagem, aumenta a degradação ambiental e também tem causado conflitos sociais, expulsando comunidades tradicionais”, diz. .
“Dentro dessa aposta governamental, a Secretaria de Meio Ambiente tem liberado licenças ambientais para várias empresas. Nesse processo de grilagem de terra, já foi provado que documentos falsos se apresentam, mas mesmo assim a secretaria tem liberado.” Gilberto Lima, do Conselho Pastoral dos Pescadores .
Segundo Lima, o governo tem utilizado discursos para tentar “amenizar” esse processo de avanço do agronegócio. “Isso vem falando de noções, como a sustentabilidade, a questão socioambiental, ou medidas compensatórias; mas os conflitos decorrentes desse tipo de empreendimento estão acontecendo e se aprofundando”, afirma.
Comissão para enfrentar violência
“Procurado pelo UOL, o governo do Maranhão se pronunciou pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, que garante atuar “nos conflitos fundiários desde 2015, por meio da Comissão Estadual de Enfrentamento e Prevenção à Violência no Campo e na Cidade”.
“Desde então, já foram discutidos e encaminhados mais de 700 casos, com articulação de políticas públicas municipais e estaduais para auxiliar na construção de soluções pacíficas para estes conflitos.” Governo do Maranhão .
A secretaria informa que encaminha as denúncias de crimes e conflitos às autoridades responsáveis, solicitando providências de investigação e processamento criminal. Entretanto, o governo não informou como estão as investigações dos crimes. Ainda segundo o governo, “o acompanhamento dos conflitos socioambientais tem se dado em diferentes redes, com o objetivo de traçar uma atuação emergencial, mas principalmente no fortalecimento da política preventiva de conflitos”.
“Além disso, a secretaria ressalta a efetivação do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que garante proteção a defensores e defensoras de direitos humanos em situação de ameaça para que estes continuem na sua militância.”
Por Notícias Uol