Com a perda do foro especial, o ex-governador Flávio Dino (PSB) passou a ser alvo no Ministério Público do Maranhão de investigação que tramitava na PGR (Procuradora-Geral da República) contra ele sobre suposta fraude na licitação do serviço de ferryboat no estado.
O caso, autuado no âmbito local em maio, é o mesmo revelado pelo ATUAL7 no fim de junho, que apura a suspeita de peculato pelo ex-mandatário e que foi colocado sob sigilo após a reportagem ter tornado o fato de conhecimento público.
O declínio de atribuição foi subscrito pelo procurador da República Pedro Henrique de Oliveira Castelo Branco, em razão de Dino não ser mais o chefe do Executivo e dos recursos do procedimento licitatório suspeito, segundo levantamento preliminar, ser de origem estadual.
Dino deixou o comando do do Palácio dos Leões em abril último, para disputar uma vaga ao Senado. Ele foi substituído por Carlos Brandão (PSB), que deixou a condição de vice e agora disputa a reeleição ao cargo.
Apesar da evidente ausência de foro, até o início do mês passado, segundo apurou o ATUAL7, a investigação contra o ex-governador do Maranhão aguardava parecer da Assessoria Especial da PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) que definiria se a apuração seria de atribuição do chefe do MP estadual, Eduardo Nicolau, ou se o caso deveria ser encaminhado, à uma das promotorias de Justiça criminais da capital, e para qual, com competência para atuar na apuração.
Com o caso mantido sob sigilo absoluto, ainda não há informações sobre quem foi colocado à frete das investigações nem se alguma diligência já foi determinada, como a tomada o depoimento de Dino, por exemplo.
A apuração iniciada na PGR foi provocada por denúncia formulada pelo deputado estadual Wellington do Curso (PSC), principal nome da oposição ao Palácio dos Leões. O ATUAL7 entrou em contato por email com Dino, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
De acordo com o blog do Neto Ferreira, que revelou a tramitação da investigação no âmbito da PGR, o Ministério Público Federal chegou a realizar, sob coordenação da subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo, levantamento da qualificação, endereço, rastreamento societário, vínculos empregatícios e bens patrimoniais dos envolvidos no procedimento licitatório sob suspeita.
Suposta ligação entre os sócios de uma das empresas vencedoras da licitação suspeita e Carlos Brandão é evidenciado em um diagrama de vínculos elaborado no inquérito no âmbito federal, também sob sigilo. Procurado por email, o governador do Maranhão não retornou o contato.
Estimada, segundo o edital, em mais de R$ 1,5 bilhão, a licitação suspeita para concessão do serviço público de transporte aquaviário intermunicipal de passageiros, veículos e cargas por ferryboat foi vencida pelas empresas Celte Navegação e Internacional Marítima.
Os contratos foram assinados em dezembro do ano passado, em ato que contou com a presença do chefe do Ministério Público do Estado, Eduardo Nicolau, e da promotora de Justiça Lítia Cavalcanti, que atua na área de defesa do consumidor e que há mais de 10 anos trabalha pela melhoria na prestação dos serviços de travessia entre os terminais Ponta da Espera (São Luís) e Cujupe (Alcântara).
Apesar dos contratos de concessão, no início deste ano a MOB (Agência Estadual de Mobilidade Urbana e Serviços Públicos) autorizou, sem previsão legal, a empresa Navegação Confiança a operar no sistema, em caráter emergencial e precário.
A clandestinidade foi derrubada por Lítia Cavalcanti, que em ação conjunta com promotores e promotoras de Justiça que atuam na Baixada Maranhense, orientou a gestão estadual a revogar a portaria da MOB que havia permitido a ilegalidade.
No mês passado, a promotora convocou a imprensa para informar sobre investigações relacionadas ao ferryboat que tramitam na 2ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de São Luís, e revelou que, após a rescisão do contrato ilegal com a Navegação Confiança pela MOB, passou a ser alvo de ameaças e perseguições no âmbito pessoal e funcional em razão da forte atuação contra, nas palavras dela própria, “pessoas que estão corroendo o dinheiro público”.
“É a certeza da impunidade”, disse durante a coletiva, ao discorrer sobre a balsa rebatizada de “José Humberto”, cujo decisão sobre estar ou não apta para navegação foi parar na Justiça Federal.
Anunciada nas redes sociais pelo governador Carlos Brandão como “nova” e “de alto padrão”, a embarcação foi adaptada às pressas para navegar como ferryboat na Baía de São Marcos. A circulação da balsa adaptada chegou a ser suspensa pela Justiça Federal devido problemas na documentação e nas condições estruturais da embarcação, como avaria de casco, meios de comunicação de segurança inexistentes, vazamento de óleo, dentre outras irregularidades consideradas graves pelo MPF.
“Isso é muito grave. Vocês não têm noção do tanto que estou sendo pressionada, ameaçada. E eu digo mais: são cifras milionárias, algo muito grande que envolve muitas pessoas. Não se trata de ferryboat, não se trata de população. Até a milhagem foi alterada, então a coisa está sem limite”, declarou a promotora durante a coletiva de imprensa, emendando haver um esquema “gestado na Dom Pedro II”.
A Dom Pedro II, citada por Lítia Cavalcanti, é o endereço da avenida no Centro de São Luís, e também de uma praça, onde fica localizado o Palácio dos Leões, edifício-sede do governo do Estado.
Por decisão do procurador-geral de Justiça Eduardo Nicolau, ela foi exonerada do cargo de coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Consumidor. Segundo publicou em uma rede social, também houve esvaziamento da promotoria em que atua. “Isto fora todo o resto que tenho passado e que não foi publicizado”, escreveu.
Pressionado pela repercussão negativa, que se somou à críticas feitas pela maioria da bancada federal do Maranhão, o chefe do Ministério Público do Estado emitiu nota onde discorre sobre assuntos não relacionados ao ferryboat e, ao final, diz ter exonerado Lítia Cavalcanti da coordenadoria do CAOp Consumidor porque a promotora, segundo ele, teria ferido seus brios. A revelação da atitude tomada em nível pessoal aponta que o procurador-geral de Justiça agiu em perseguição à representante do órgão que Nicolau comanda.
“Os frequentes e gratuitos ataques por ela desferidos contra o Procurador-Geral de Justiça resultaram na perda da confiança”, alegou, sem apontar que tipo e quais ataques teria sido alvo.
A AMPEM (Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão), entidade classista que congrega promotores, promotoras, procuradores e procuradoras de Justiça do âmbito estadual, disse ao ATUAL7 estar avaliando que providências tomar, dentro da sua finalidade estatutária, em relação às ameaças sofridas por Lítia Cavalcanti. “Serão divulgadas assim que forem efetivadas”, declarou.
Antes de abrir a licitação do ferryboat, o governo do Estado, ainda sob Flávio Dino, autorizou a intervenção no serviço que vinha sendo realizado pela empresa Servi-Porto. Essa intervenção voltou a ser prorrogada no início de junho deste ano pelo governador em exercício desembargador Paulo Velten. Presidente do Tribunal de Justiça, ele ocupou interinamente o cargo de chefe do Executivo no período em que Carlos Brandão estava internado em um hospital de elite em São Paulo, se recuperando de uma cirurgia para retirada de um cisto nos rins.
O chefe do Ministério Público maranhense, Eduardo Nicolau, foi alçado à função por escolha de Dino. A preferência foi recentemente mantida por Brandão, a quem fez questão de dizer em uma rede social que é amigo.
Por Atual 7