A semana passada foi marcada pela divulgação de várias pesquisas relacionadas às eleições presidenciais. A mais esperada, Datafolha, não só pela ampla divulgação e reprodução dos dados, mas também pelo detalhamento das tendências regionais e classes sociais, trouxe consigo também dados de raça apontando uma pequena amostragem do que pode ser o voto racial nestas eleições.
Como já dissemos aqui em artigos anteriores, nosso país não tem como hábito fazer pesquisas sobre voto étnico, diferentemente dos Estados Unidos, onde o voto das chamadas minorias como latinos e negros são analisados minuciosamente pelos institutos de pesquisas e, principalmente, pelos candidatos que dirigem suas campanhas e planos de governos pensando também nesses eleitores.
Mas o Datafolha trouxe elementos específicos que podem ser indicativos do comportamento do voto negro que será decisivo nestas eleições. Falo decisivo porque negros são 54% da população e, numa tendência de abstenção do eleitorado de classes A e B formado majoritariamente de brancos no Brasil, os votos dos pretos e pardos podem chegar a mais de 60% do eleitorado.
Os números com foco específico neste segmento mostram: Lula passou de 38% para 36% entre pardos e de 44% para 42% entre pretos, sempre dentro das margens de erro; já Bolsonaro oscilou de 22% para 24% entre pardos e de 17% para 20% entre pretos. Dentro da margem de erro, dá um ponto de vantagem no crescimento para Bolsonaro nesta pesquisa.
No entanto, o petista continua tendo ampla vantagem entre pretos e pardos. Já entre os brancos, os dois candidatos avançaram à medida que a indecisão dos eleitores diminuiu: o ex-presidente variou de 30% para 32%, e o atual mandatário, de 27% para 30%, também um ponto a mais para Bolsonaro. Amarelos e indígenas não foram considerados porque as bases de dados de intenção de voto foram muito pequenas.
De um estudo que fosse mais focado nessas tendências emergiriam outros dados não aparentes na pesquisa. Por exemplo: o quanto o auxílio emergencial e outras ações que dizem respeito diretamente à máquina do governo, como o vale-gás, pode estar impactando os resultados da pesquisa, uma vez que a maioria esmagadora dos afetados diretamente pela crise econômica é de pessoas negras.
Não podemos esquecer o cruzamento entre religiões, que já foi determinante em outras eleições. O Brasil de 2022 é um país cada vez mais cristão, evangélico e neopentecostal! E o que o voto negro tem a ver com isso? Tudo!
Estudo encomendado por mim, na época em que ocupava o cargo de secretário da Igualdade Racial, mostrou que a maioria da população negra da maior cidade do país se encontrava nas religiões evangélicas contradizendo uma máxima que havia no consciente de muitas pessoas, em que as religiões de matrizes africanas como umbanda e candomblé eram religiões de maioria negra.
A pesquisa mostrou, na época, que a maioria da população negra da capital paulistana se encontrava nas igrejas evangélicas, e as religiões de matrizes africanas eram formadas em sua maioria por pessoas brancas, muitas de classe média e com curso superior, contrastando com a cor e a formação escolar dos evangélicos.
Tendo como base esses últimos dados e observando o forte trabalho que a campanha bolsonarista sempre pregou entre os evangélicos, pode ser um indicativo do número expressivo de votos negros do candidato que nunca demonstrou nenhuma preocupação com a causa, pelo contrário, teve uma atuação pífia sobre a problemática.
Mas também não se pode esquecer que grande parte das políticas educacionais como cotas, com as quais milhares de pessoas negras puderam adentrar uma universidade nas últimas duas décadas, foram realizadas pelo governo petista que, com certeza, irá usar isso em campanha colocando um pouco mais de lenha na discussão do voto racial.
Uma coisa é certa: somente com o cruzamento de dados que considerem raça, classe e religião num período em que muitos conseguem esperar apenas por Deus, pode-se mostrar exatamente a tendência desse voto.
Fonte: CNN