Quatro séculos e seis anos. Quantos mistérios acumula São Luís ao chegar a essa idade? A cidade que abriga sonhos do futuro e glórias do passado, como um dia poetizou Bandeira Tribuzi, ainda é capaz de revelar, mesmo aos olhos acostumados, diversas belezas.
Olhemos para suas pedras de cantaria, que assentaram o chão em que a vida foi se tecendo nestes pouco mais de quatro centenas de anos. Brancos, negros e índios forjaram em confrontos os contornos da ilha que ganhou tantos nomes, como se um só não conseguisse fazer jus à sua multiforme aparência.
As pedras calçam as ruas, a fundação dos casarões que guardam os segredos das vidas que ali nasceram, viveram e morreram. Os casarões ainda respiram estas histórias – basta ter um ouvido sensível aos sussurros das vozes longínquas, dos risos e choros que formaram a alma destas casas antigas.
As paredes dos casarões e fortes, grossas, maciças e largas levantadas por braços escravos, sustentavam os telhados, hoje encardidos pelo véu do tempo e banhados por noites de lua e estrelas errantes na abóboda celeste. Sem falar das belíssimas pedras de cantaria de um branco bege que ainda enfeitam pisos, calçadas e praças, inclusive servem como belos bancos esculturais de assento no passeio público, mormente nas praças Deodoro e Gonçalves Dias, locais de encontros de amigos e casais de namorados. No romance Tambores de São Luís, Josué Montello reproduz os ecos dos sons daquelas noites ancestrais: “Agora, quando as noites se fechavam, estilhaçando-se em estrelas por cima da cidade adormecida, ouvia-se o som compassado dos zabumbas, das matracas e dos maracás, madrugada adentro…”
A noite nas ruas de São Luís, da cidade velha e experiente, também revela um espetáculo à parte. Desperta em seus transeuntes uma melancolia que o vento carrega por seus becos estreitos. Um sobressalto no coração antecipa encontros que não acontecem, apenas uma espécie de premonição ou o acompanhamento de sentimentos que por ela foram carregados por seus moradores muito antes de nós.
Os azulejos escondem a dureza e aspereza que constituem as paredes do casario. Eles as recobrem com seus motivos florais, arabescos, linhas retas e cores vivas. Eles mantêm o calor longe, colorem as ruas e convidam à contemplação. Os azulejos ampliam os ângulos dos sobradões dando-lhes uma elegância aristocrática.
As casas coloniais têm portas e janelas lindas. As molduras de mármore cortados brutamente e sem muito polimento dão a ideia de fortaleza para cada casa. Lisas são as soleiras de milhares de passantes que, grão por grão, limaram a resistência dos mármores das entradas dando a estas casas uma aparência acolhedora. Muitas destas moradias se debruçam sobre as ruas em balcões de pedra ornamentadas por gradil de ferro batido e moldado a milhares de marteladas, o que faz de cada um, obra absolutamente única. Ali, as famílias se amontoavam para ver a procissão passar, os enterros, a vida comum com seus indefectíveis vendedores e pregões peculiares a gritar seus produtos num idioma próprio vindo de confins distantes e imemoriais.
Encimando tudo, os mirantes mais parecem casinhas pequenas e aconchegantes feitos para o deleite dos olhos, pois eles dão a cada olhar, um ângulo único e especial da cidade. Ninguém os cantou e poetizou melhor que José Chagas, ele que se dizia “pastor dos telhados de São Luís”. Ninguém viu esta cidade de tão alto, metaforicamente falando. Do mirante mítico, transcendental pelo qual o poeta observava a cidade e de lá recebia a inspiração de toda sua poesia.
Pedras, azulejos, casarios e mirantes. Reunidos em painéis fotográficos, fixados como cenários de tantos acontecimentos, atrativo para despertar a vontade daqueles que ainda não conhecem quão rica, misteriosa e diversa é a nossa São Luís. A cidade guarda consigo ainda a beleza que um dia encantou fundadores e libertadores. Afinal, como bem disse César Nascimento, tanto novo como leve, o amor nasceu aqui.
Natalino Salgado Filho
Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA