Sentindo-se expostos a decisões políticas em meio à pandemia, generalistas criaram a iniciativa “Temores Nus e Crus”. Sua mensagem é clara: sem a proteção necessária, também profissionais de saúde são vulneráveis.
Foi uma decisão política – ou melhor, sua retirada – que provocou a ira dos clínicos gerais da Alemanha. Quando, no início de março, o coronavírus se alastrou mais fortemente no país, uma federação médica nacional decidiu que, para um portador de infecção respiratória leve obter licença no trabalho, bastava ele ligar para o médico familiar. Normalmente é necessária uma consulta em pessoa.
Em meados de abril, foi suspensa a medida que visava desafogar os consultórios e conter a propagação do Sars-cov-2. “Numa tarde de sexta-feira, fomos informados de que a partir da segunda-feira de manhã voltava a valer a norma antiga”, conta o clínico geral Hannes Blankenfeld, de Munique. “Isso nos deixou indignados: quem são essas pessoas com sintomas respiratórios leves? Provavelmente pacientes de covid-19!”, e estes colocam em perigo os doentes crônicos que frequentam o consultório.
Porém a ira do médico de Munique e seus colegas tem também a ver com a falta de vestes protetoras durante a pandemia do coronavírus, pois, com o retorno da presença obrigatória do paciente, “gastamos a nossa roupa de proteção para o exame de alguém com sintomas leves, que talvez nem tenha que ir ao médico”.
Temor nu e cru
Blankenfeld pertence a um grupo de profissionais bem interconectados em toda a Alemanha, que decidiu tornar pública sua indignação. Mas como “estava claro para nós que, se simplesmente escrevêssemos uma nota de protesto, íamos ter pouca repercussão”, eles se inspiraram no médico francês Alain Colombié, que criticou a falta de vestes protetoras fotografando-se nu em seu consultório.
Nascia a iniciativa “Blanke Bedenken” (“Temores Nus e Crus”, em tradução livre). Os participantes posam sem roupas, muitas vezes só munidos de máscara, estetoscópio ou aparelho de medir pressão – para caracterizar sua profissão. As partes íntimas estão engenhosamente ocultas, mas a mensagem é clara: “Se acabar o pouco que nós temos, é assim que estamos.” Sem proteção, também médicos são vulneráveis.
Hannes Blankenfeld compreende que a distribuição de equipamento protetor esteja emperrada: afinal, o mundo todo está precisando de máscaras, aventais e desinfetantes. O que ele não admite é que a carência é conhecida há semanas, portanto não tem cabimento expor os profissionais da saúde justamente neste momento.
A “Blanke Bedenken” não está sozinha em sua condenação: também associações médicas, seguros de saúde e políticos de diversos partidos protestaram. O clamor surtiu efeito: o grêmio médico responsável prorrogou mais duas vezes a possibilidade de consultas telefônicas, atualmente até 18 de maio.
Para os médicos pelados, isso não basta: eles exigem que a medida se prolongue até o fim da crise de saúde, para os pacientes com sintomas leves. “Numa situação de pandemia como essa, tomar uma decisão dessas assim, ‘pingado’, a cada duas semanas, atesta falta de planejamento sensato, de visão”, reclama o generalista Blankenfeld.
Por sua vez, os empregadores temem que haja abusos da liberalização das licenças médicas. Para os médicos, contudo, é um escândalo colocá-los em risco só por temer um excesso de folgas trabalhistas. E eles querem que sua classe seja mais escutada no contexto da pandemia.
Ao que tudo indica, nesse embate de interesses, a luta nua e crua ainda continuará por um bom tempo.
Fonte: DW.