O Brasil enfrenta um desafio cultural significativo ao implementar leis de proteção às crianças em um contexto onde a violência ainda é amplamente legitimada como método educacional. Até 23 de junho deste ano, foram registradas mais de 129 mil denúncias de violações contra crianças e adolescentes, a maioria ocorrendo dentro de casa, conforme dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
A Lei Menino Bernardo, também conhecida como “Lei da Palmada” (Lei 13.010/2014), completou uma década este mês. A lei, que complementa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), proíbe o uso de castigos físicos e tratamentos cruéis como métodos educacionais. Nomeada em memória de Bernardo Boldrini, assassinado pela madrasta e pelo pai em 2014, a lei visa promover uma educação baseada no respeito e sem violência.
Para a promotora de Justiça Renata Rivitti, a lei é um marco essencial, embora ainda haja uma percepção distorcida sobre a legitimidade da educação rígida. “Há uma crença real de que educar com violência é legítimo e para o bem da criança”, disse Rivitti, destacando a importância de romper com essa tradição.
Os dados da Ouvidoria Nacional revelam que 62% das denúncias de violência contra crianças e adolescentes este ano ocorreram dentro de casa. As violações incluem violência física, negligência e violência psicológica. Destaca-se que 8.852 crianças conseguiram pedir ajuda diretamente, evidenciando a gravidade e a necessidade de respostas eficazes.
A pesquisadora Águeda Barreto, da ONG ChildFund Brasil, enfatiza o caráter pedagógico e preventivo da Lei Menino Bernardo. No entanto, ela alerta que ainda há um longo caminho a percorrer. Barreto cita uma pesquisa de 2019, onde 67% das crianças brasileiras não se sentiam suficientemente protegidas contra a violência, e 90% rejeitavam o castigo físico como forma de educação.
Barreto também mencionou a Lei Henry Borel e a Lei 14.826, que promovem a “parentalidade positiva” e o direito ao brincar, como avanços significativos. A promotora Renata Rivitti ressaltou a importância da Lei 13.431/2017, que garante uma abordagem integrada para a proteção das crianças.
Apesar das leis avançadas, a implementação efetiva ainda é um desafio. Barreto observa que a violência contra crianças é naturalizada no contexto brasileiro, muitas vezes vista como posse dos adultos. Renata Rivitti enfatiza a necessidade de pressão social para que as leis sejam efetivamente aplicadas. “O principal gargalo está em garantir a implementação dessas leis para que elas de fato saiam do papel”, afirmou.
Viviane Dourado, conselheira tutelar e educadora social, utiliza a arte como ferramenta de sensibilização. Ela pinta murais, paradas de ônibus e camisetas para promover o respeito às crianças. “As crianças querem brincar, ser felizes e viver a inocência”, disse Viviane, destacando a importância de exemplos visuais para transmitir mensagens de respeito e proteção.
A luta contra a violência infantil no Brasil continua, com a necessidade de mudanças culturais profundas e a implementação efetiva das leis existentes. A sociedade, as famílias e o governo precisam trabalhar juntos para garantir um futuro seguro e respeitoso para todas as crianças.