Por Lino Moreira
O jogo de futebol, como os meios de comunicação vêm incessantemente mostrando, Copa após Copa, é um fenômeno esportivo-cultural de escala mundial. Na icônica e sofisticada Champs Élysées, avenida da sofisticada Paris, na sofisticada França, centenas de milhares de pessoas se amontoaram para assistir a algo tão trivial em aparência: a final entre a seleção francesa e a da Croácia, vencida pelos gauleses, o que lhes deu o título de campeões do mundo pela segunda vez. As manifestações de alegria e entusiasmo então vistas atestam o amor do povo francês pelo esporte e deste mostram a abrangência social, pois ali estavam reunidas todas as classes sociais da burguesa França, como, aliás, aconteceu em Bruxelas, Londres, Lisboa, Madri, Berlin, Zagreb, Estocolmo, Copenhague bem como no resto do mundo, em todos os continentes e em quase todos os países.
O escritor Luiz Alfredo Raposo deu destaque em artigo recente (www.luizalfredoraposo.blogspot.com) ao simbolismo de uma partida de futebol numa Copa do Mundo. Ela é, como ele bem diz, simulação da guerra, teatro épico e batalha entre dois exércitos inventados, sem tratados de paz, armistícios nem empates, pois um dos dois tem de vencer. O escritor fala ainda de outros aspectos, como o das torcidas como parte integrante do jogo, o qual, através delas, se derrama pelas arquibancadas, e fala também do aspecto da valorização do gol, por sua relativa escassez. Acrescento outra característica, que me parece complementar à de Luiz Alfredo e de bom auxílio na explicação de sua imensa popularidade no mundo inteiro.
É sua natureza democrática. Todos os equipamentos necessários a sua prática estão ao alcance de qualquer pessoa, de qualquer condição econômica. Nas peladas, consistem, em geral, em bola, objeto de fácil aquisição; campo, seja de que tamanho for e em qualquer condição de jogo; e variados objetos com a função de marcador dos limites horizontais da meta, também chamada de gol, sendo o limite vertical o céu, com seus deuses do futebol. Nem uniforme é necessário usar nesses primeiros ensaios de uma futura prática profissional.
Pobres e ricos hoje em dia – mais os pobres, numa inversão do status social de sua prática inicial no fim do século IX e começo do XX, quando era coisa de elite – podem, portanto, praticá-lo sem grandes despesas, desde a infância, em longo processo de aperfeiçoamento de talentos. Sai daí, então, da larga quantidade dos praticantes, a qualidade, na forma de excelentes jogadores, de todos os níveis socioeconômicos. Acho uma bobagem desinformada reclamações que se ouvem sobre os investimentos privados no futebol, como se ele tirasse recursos públicos de saúde, educação e segurança. Ao contrário, ele gera renda para milhões de pessoas e no Brasil tem sido caminho para ascensão social e é parte de nossa identidade cultural.
É essa democracia, penso eu, a principal responsável pela frequência da aparente zebra. Em nenhum outro grande esporte como o basquete, ela aparece com a mesma frequência como no futebol. Talvez a zebra não seja obra de Sobrenatural de Almeida, como Nelson Rodrigues disse que era. Nele sempre haverá bons jogadores, tanto nas equipes consideradas pequenas, quanto nas grandes, embora em proporções desiguais. Nele o potencial de Davi vencer Golias estará sempre presente.
Lino Raposo Moreira
PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras