A recente tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, resultando na perda de quase 150 vidas até o momento, desencadeou uma série de reflexões sobre suas causas e responsabilidades. Enquanto alguns atribuem o evento às forças imprevisíveis da natureza, outros destacam a influência significativa da ocupação humana do território, o desenvolvimento urbano desordenado e o uso do solo.
Especialistas em recursos hídricos, abrangendo áreas como geologia, agronomia, engenharia civil e ambiental, foram consultados pela Agência Brasil para oferecer uma análise mais aprofundada. Embora haja consenso de que se trata de um evento excepcional e sem precedentes, potencializado pelas mudanças climáticas globais, surgem divergências quando se discute o papel desempenhado pelas atividades econômicas e pela ocupação do território.
Ocupação e Desenvolvimento Urbano
O geólogo Rualdo Menegat, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), critica as políticas de planejamento urbano e econômico no estado, destacando a desorganização generalizada do território. Ele aponta para a especulação imobiliária desenfreada e a desestruturação dos planos diretores das cidades, enfraquecendo o sistema de proteção contra enchentes. A ocupação intensiva do solo, especialmente em áreas de preservação ambiental, contribui para a impermeabilização do solo, agravando o escoamento das águas pluviais.
Por outro lado, o professor de recursos hídricos da Coppe/UFRJ, Paulo Canedo, pondera que o desenvolvimento econômico e social, quando não acompanhado de medidas estruturais e preventivas, pode facilitar inundações. Ele destaca que o progresso da região trouxe dificuldades de escoamento devido à impermeabilização do solo, uma consequência inevitável do avanço urbano.
Agricultura e Alterações Ambientais
Há um debate sobre se o investimento em atividades agrícolas, com a consequente alteração da vegetação nativa, contribuiu para a fragilização dos solos e o agravamento do escoamento da água. Rualdo Menegat aponta que o desmatamento para expansão agrícola aumentou o impacto das chuvas, reduzindo a capacidade do solo de absorver a água. No entanto, o agrônomo Fernando Setembrino Meirelles discorda, enfatizando que as atividades agrícolas não foram um fator significativo na tragédia.
Sistemas de Contenção e Infraestrutura
Apesar dos sistemas de proteção contra enchentes desenvolvidos em Porto Alegre após o século 20, evidenciou-se falhas estruturais durante o recente evento climático. O engenheiro Jaime Federici Gomes destaca a falta de manutenção adequada desses sistemas, enquanto Rualdo Menegat aponta a negligência política na manutenção da infraestrutura de proteção.
Conhecimento e Prevenção
Os especialistas concordam que investimentos em Defesa Civil e treinamento da população são cruciais para reduzir os danos causados por desastres naturais. No entanto, a falta de estrutura e recursos adequados representa um desafio significativo. A necessidade de aprender a lidar com eventos extremos e adaptar-se gradualmente a eles é uma realidade que se impõe, requerendo uma abordagem multifacetada que combina investimentos em infraestrutura, políticas de planejamento urbano sustentável e educação da população sobre medidas preventivas.