Covid-19, gripe aviária, mpox, Ebola, chikungunya, Marburg. Esta é apenas uma parte das doenças – algumas novas, outras não tanto – que o mundo precisou enfrentar desde a virada do século.
Não há um consenso entre epidemiologistas sobre as causas do aumento de doenças. No entanto, pesquisadores apontam que a forma como os humanos lidam com o meio ambiente e com os efeitos das mudanças climáticas é crucial para aumentar os riscos de contato entre humanos e agentes causadores de doenças, como vírus e bactérias, conhecidos tecnicamente pelo nome de “patógenos”.
No caso da Covid-19, por exemplo, estudos que buscam identificar a origem da infecção pelo SARS-CoV-2 em humanos apontam que o contato com animais vendidos em um mercado de Wuhan, na China, pode ter sido a causa inicial da pandemia. Outras linhas de pesquisa relacionam a emergência da doença a um “salto” do vírus que estaria presente em morcegos e teria ganhado a capacidade de infecção de pessoas.
À CNN, em 2022, quando era presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, atual ministra da Saúde, afirmou que a maior ocorrência de epidemias pode ser a marca deste início de século.
“Embora estejamos mais aptos a identificar essas emergências, não há dúvidas de que elas têm acontecido com mais frequência devido a fatores sociais, com destaque para aglomerações urbanas e aumento de desigualdades, além do intenso fluxo de pessoas e de mercadorias, característico de uma economia globalizada”, disse Nísia.
No início da semana, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, fez um alerta sobre a importância da preparação pelos países para novas emergências sanitárias.
“Permanece a ameaça do surgimento de outra variante que causa novos surtos de doenças e mortes. E a ameaça de outro patógeno emergente com potencial ainda mais mortal permanece. E as pandemias estão longe de ser a única ameaça que enfrentamos. Em um mundo de crises sobrepostas e convergentes, uma arquitetura eficaz para preparação e resposta a emergências de saúde deve abordar emergências de todos os tipos”
Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS
Conforme noticiado pela CNN, a fala do chefe da OMS aconteceu no contexto da 76ª Assembleia Mundial da Saúde, em referência ao lançamento de uma rede global para prevenir doenças. O assunto repercutiu em redes sociais com críticas de que o tom seria mais de alarmismo do que de precaução.
A CNN consultou especialistas em saúde pública que acompanharam de perto o surgimento da Covid-19 e seus desdobramentos nos últimos três anos para explicar em detalhes como os países podem se preparar a uma nova emergência sanitária global.
O médico infectologista da Fiocruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Júlio Croda explica que o desenvolvimento de planos de ação deve contemplar os possíveis protocolos para o caso de disseminação de um agravo novo ou reemergente.
“Quando a gente fala de preparação para novas emergências, significa que temos que ter planos de contingência a nível estadual, federal e, eventualmente, municipal, que claramente estejam orientando os serviços de saúde no sentido da vigilância desses agravos, além da notificação, do diagnóstico, do isolamento e eventual tratamento, e questões como expansão de novos leitos, de abertura de novos serviços, de ampliação de testagem.
Em termos de saúde pública, o sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), destaca a importância da vigilância epidemiológica.
“É vigiar o meio ambiente: identificar se existem, fora de um padrão esperado, mortes no mundo animal, zoonoses em particular, e tentar entender essas mortes. Por exemplo: quando eu tenho uma selva e começa a morrer macacos ou qualquer tipo de animal nesse local, e isso é verificado por pessoas que circulam pelo local ou também por algum tipo de vigilância feita pelo estado através da saúde pública, da agricultura, do meio ambiente, é preciso identificar qual é a causa e o que está causando”, detalha.
Desafios de prever uma nova emergência
Existe a ameaça de uma nova Covid? Para responder a essa questão é preciso entender como surge uma pandemia.
O contato inédito com microrganismos capazes de provocar a infecção do organismo humano costuma ser o primeiro passo para a emergência de uma nova doença. Vírus e outros agentes com potencial nocivo podem estar presentes em animais sem que afetem a vida humana.
No entanto, um fenômeno conhecido como “transbordamento”, ou “spillover” em inglês, descreve a capacidade de adaptação desse micróbio para migrar entre hospedeiros de diferentes espécies.
A forma como um “transbordamento” acontece é alvo de estudos pela comunidade científica global. Para que um vírus se adapte para ir de um hospedeiro animal a uma pessoa, por exemplo, são necessárias condições favoráveis, incluindo questões como comportamento humano e a quantidade viral relacionada à exposição do indivíduo.
Embora o mecanismo seja compreendido pela ciência, prever como e quando ele vai ocorrer é um grande desafio. As pandemias de gripe, por exemplo, acontecem quando uma nova cepa viral surge a partir de rearranjos no genoma do vírus, um fenômeno que não pode ser previsto nem mesmo com alta capacidade de vigilância.
“Geralmente, é mais comum a gente se preocupar com vírus por que eles têm uma infectividade maior, uma capacidade de se disseminar maior, pelo menos a experiência tem sido essa. Embora existam também microrganismos maiores como a bactéria da tuberculose, que se transmite por via aérea, como um outro tipo de bactéria, do cólera, que se transmite pela água”, explica Vecina.
Contudo, alguns fatores contribuem de maneira significativa para aumentar os riscos da exposição humana a agentes causadores de doenças.
Entre eles, estão o avanço humano sobre áreas e reservas naturais que abrigam espécies silvestres, serviços de higiene precários que afetam metade das unidades de saúde do mundo, alimentação à base de animais silvestres, falta de higienização no preparo de alimentos, além da escassez na oferta de saneamento básico e os efeitos das mudanças climáticas.
Em convergência, os problemas citados anteriormente facilitam o contato de indivíduos com microrganismos com potencial nocivo. A infecção pelo HIV, pelo Ebola e pelo vírus influenza H1N1, responsável pela pandemia de gripe de 2009, são alguns dos exemplos de “transbordamento” associados a casos e mortes em humanos no mundo.
“Ameaças sempre vão existir. Tivemos múltiplas emergências nos últimos anos. O H1N1, em 2009, o novo vírus da influenza que causou um impacto enorme em termos de casos e de hospitalização. O vírus da Zika, com microcefalia nos bebês. Tivemos recentemente, em outros países, o SARS-CoV-1, o MERS, que são outros coronavírus que foram associados a emergências locais e tivemos o SARS-CoV-2”, afirma Croda.