Por Benedito Buzar
Em 1951, como presente pelos seus 349 anos de fundação, São Luís recebeu a denominação de “Ilha Rebelde”, pela brava resistência oferecida, à época, aos detentores do poder. Essa resistência ganhou visibilidade na greve política contra a posse do governador Eugênio Barros, que, segundo os oposicionistas, vencera a eleição de outubro de 1950, realizada sob os auspícios da fraude eleitoral e com o beneplácito da Justiça.
Contra isso se levantou povo de São Luís através de um fabuloso movimento popular que durou mais de seis meses e com presença nas ruas, dia e noite. Transformada em trincheira de luta contra o vitorinismo, a cidade, pelo voto, massacrava os candidatos governistas, impondo-lhes derrotas memoráveis. Se os governistas tinham o domínio político no interior do Estado, na capital, a situação se invertia. Aqui, só os candidatos oposicionistas tinham vez.
Mas esse quadro político teve um prazo de validade relativamente curto. Em menos de vinte anos, como se um processo de anestesia coletiva desabasse sobre São Luís, o eleitorado mudou, acomodou-se e perdeu aquela valentia que lhe era peculiar.
De repente, a Ilha Rebelde fica sem a sua identidade política e comporta-se igual a qualquer povoado do interior maranhense. O povo esquece os idos de 1950, quando nas vias públicas, com o sacrifício até da vida, insurgiu-se contra a investidura de um governante que considerava sem legitimidade para assumir o poder.
O fim da Ilha Rebelde
Para quem acompanha a vida política do Maranhão, São Luís começa perder a sua alma de rebeldia política. Na década de 1970, com a chegada dos militares no comando do país e com a decretação do Ato Institucional nº 2, mandava extinguir todos os partidos políticos existentes no Brasil e apenas dois partidos seriam criados: de um lado, o partido governista, Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e, de outro, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
No Maranhão, a mudança das regras partidárias complica a situação dos políticos. Mas, em função da prática do fisiologismo, a grande maioria da militância política aninha-se na ARENA. Para o MDB, migraram os dotados de formação ideológica ou os refugados.
Por conta dessa corrida em massa para o partido governista, o quadro político conturba-se pela dificuldade de convivência no mesmo grupo de lideranças que se enfrentavam em lados opostos. Como poderia um partido ter vida e se estruturar organicamente com figuras que defendiam causas diferentes e não se toleravam física e politicamente? Não foi fácil colocar no mesmo compartimento partidário José Sarney, Clodomir Millet, Vitorino Freire e Newton Bello, que vinham de renhidos embates eleitorais, quase sempre travados sob os eflúvios do ódio e do rancor.
Mas o caldo estava derramado e do governo militar a ordem era uma só: quem quisesse ser governo, devia esquecer as incompatibilidades pessoais e políticas. Em cumprimento a essa orientação e depois de muita lavagem de roupa suja, sarneístas, vitorinistas e newtistas depuseram momentaneamente as armas e juntaram-se numa convivência nada pacífica, mas como era questão de sobrevivência, acomodaram-se e pagaram pra ver.
Apenas um político do Maranhão, que desejava ser da Arena, ficou de fora: o então prefeito de São Luís, Epitácio Cafeteira, rompido politicamente com o governador José Sarney. O gestor municipal fez de tudo para ingressar no partido governista, mas não conseguiu. Motivo: Sarney montou uma operação de guerra para defenestrá-lo e conseguiu. Para não ficar sem partido, o prefeito foi parar no MDB, sendo recebido, também, com restrições.
O resultado dessa mixórdia partidária veio a lume nas eleições senatorias de 1966, com a disputa do cargo de senador. A luta não se deu entre os candidatos da ARENA e do MDB, mas entre os arenistas Clodomir Millet que venceu apoiado por Sarney, e Eugênio Barros, derrotado, numa sublegenda, apoiado pelo que sobrou do vitorinismo e do newtismo.
Merece registro a quantidade volumosa de votos nulos e brancos. Só em São Luís, o índice foi de 15 por cento dos votos apurados. Esse resultado mostra indiscutivelmente a apatia e o descontentamento do eleitorado com a nova realidade política e partidária, que resultou na eutanásia da Ilha Rebelde.
Ilha do Amor, Magnética e Bela
Com o fim da Ilha Rebelde, despolitizada pelo regime militar, vislumbra-se um espaço para São Luís conquistar outras qualificações, estas, impregnadas de louvação ao amor e à beleza da cidade. Aproveitam-se dessa lacuna os cantores e compositores maranhenses João Sá ou Claudio Fontana, César Nascimento e Carlinhos Veloz.
Essa apologia musical a São Luís nasce e vinga entre os anos 1970 e 1990. Claudio Fontana, que morava em São Paulo, saiu na frente com uma declaração de amor a terra em que nasceu e se criou.
Com letra e música de sua autoria, lança a canção intitulada “Ilha do Amor”, cujo estribilho caiu na boca do povo de modo impressionante: “Quero voltar, quero voltar para São Luís/Ilha do amor onde eu nasci/ onde em criança eu fui feliz”.
Nesse mesmo caminho, veio César Nascimento, com residência em Petrópolis, Rio de Janeiro, que dedica a São Luís uma gostosa melodia, intitulada “Ilha Magnética”, de endeusamento à cidade onde o amor e a natureza se misturam em versos como estes: “Ponta D’Areia, Olho D’Água, Araçagi/ Mesmo estando na Raposa/ Eu sempre vou ouvir/ A natureza me falando que o amor nasceu aqui”.
Explorando a mesma temática, Carlinhos Veloz, cantor e compositor de Imperatriz, presenteia São Luís com esta canção denominada “Ilha Bela”, na qual ressalta a beleza da cidade e o que ela tem de pujante – sua história e seu tropicalismo, que se manifestam nos casarões seculares, no clima e na sensualidade da dança e da música.
Quem ouve a música de Carlinhos se encanta com estes versos: “Quero juçara que é fruta rara, lambuza a cara e lembra você/ E a catuaba pela calçada na madrugada até o amanhecer/ Na lua cheia, Ponta D’Areia, minha sereia dança feliz/ E brilham sobrados, brilham telhados da minha linda São Luís.”
Ilha dos Poetas e dos Azulejos
Além de Ilha Rebelde, dos Amores, Magnética e Bela, São Luís também se tornou conhecida nacionalmente por Ilha dos Poetas, dos Azulejos e Regueira.
“Ilha dos Poetas”, pela quantidade e qualidade de seus vates. A escritora Stela Leonard criou esta frase lapidar: Quem deseja ser poeta, basta dormir uma noite em São Luís.
Em uma de suas magníficas crônicas sobre São Luís, o saudoso Jomar Moraes assim se expressou: “Dizem que São Luís é uma cidade de poetas. Bairrismos à parte, a afirmativa procede, tantos são os poetas que tivemos e continuamos tendo. Ou melhor – que temos, já que os poetas não morrem. Encantam-se. Embora fazendo a necessária advertência de que há poetas, é perfeitamente correto assegurar que esta Cidade, entre seus altos e honrosos privilégios, inclui o de possuir muitos e importantes poetas.”
Não fica atrás o grande poeta Bandeira Tribuzi. No poema em homenagem a São Luís, transformado em hino da Cidade, reluzem estes versos: “Cercada de águas e sonhos, / de glória, de maresia/ a Ilha é circundada de Poesia.”
Ilha Dos Azulejos
Uma preciosa peça, à vista de todos, que se realça pela beleza e singeleza, fez com que São Luís se tornasse conhecida por “Ilha dos Azulejos”. De origem portuguesa, o azulejo é encontrado nas paredes das casas residenciais e comerciais do nosso Centro Histórico. Se até pouco tempo era cobiçado como peça de valor estético, hoje é alvo da cobiça dos ladrões que os roubam para vendê-los aos colecionadores e especuladores.
Segundo os historiadores, o azulejo chegou ao Maranhão, no final do século XVIII, pelas mãos dos portugueses, ferramenta de embelezamento estético e fazer de São Luís uma segunda Lisboa. O sucesso do azulejo entre nós deu-se em grande escala, pelo aproveitamento nos revestimentos de igrejas, conventos, casas de saúde, escolas particulares e fachadas residenciais.
A pesquisadora Dora Alcântara acha que os azulejos foram a solução encontrada pelos maranhenses, com vistas à decoração das fachadas residenciais e dos objetos domésticos, que por motivos estéticos, ganharam status social.
Uma preciosa peça, à vista de todos, que se realça pela beleza e singeleza, fez com que São Luís se tornasse conhecida por ‘Ilha dos Azulejos’.