O pesquisador alemão Martin Hilbert, da Universidade da Califórnia-Davis, em reportagem publicada na BBC Brasil e replicada em diversas plataformas de notícias, chamou a atenção para um fato, que todos nós empiricamente já conhecíamos, mas que ainda não havia sido manifestado através de uma informação sistematizada, fruto de pesquisa séria e dedicada: o de que “…as pessoas não sabem como lidar com o poder dos algoritmos, que os governos não sabem usá-los a favor de seus povos e que as empresas resistem a adotá-los de modo ético”. Hilbert tem como mérito integrar o primeiro estudo que calculou quanta informação há em circulação no mundo digital.
De certa forma, já vivíamos mediados pelas ferramentas digitais, mas a chegada da pandemia nos levou a uma vida em que é praticamente impossível viver à margem da realidade virtual. Há um produto caríssimo em circulação e ele chama a atenção humana. As empresas, instituições, celebridades e até mesmo as pessoas ditas comuns disputam diariamente a mercadoria com estratégias agressivas e até apelativas, e as fronteiras entre o que é verdadeiro e falso ficaram esmaecidas.
Muitos hão de lembrar imediatamente do documentário da Netflix, O dilema das Redes, que mescla uma encenação com números para mostrar, de modo assustador, que nossas vontades, preferências e escolhas são frutos de uma complexa manipulação de algoritmos a que nos submetemos de bom grado, em troca do acesso a essa janela para o mundo.
E em meio a essa Babel digital, onde vozes dissonantes teimam em se impor e em atrair seguidores, o que pode acontecer neste período de instabilidade causada pela Covid-19? Além da praga física, a praga da fake news. Os emissores diversos alternam realidade e ficção com remédios “infalíveis”. De repente, todos se arvoram de farmacêuticos e médicos no quesito de recomendação e prescrição. Parece que chegamos à era das certezas absolutas, coisa que a ciência repudia.
Acredito que, enquanto a vacina não chega e tampouco o remédio adequado, além das precauções do distanciamento social, uso de máscara e álcool em gel, uma das medidas necessárias é a desconfiança cética e a cautela rigorosa com o que é publicado nas redes sociais acerca do assunto. O estudo do professor Martin Hilbert descortina como as opiniões leigas se reforçam com o que é publicado nas redes: “(…) ao algoritmo não importa para que lado as notícias falsas o levam, simplesmente servem para prender (sua atenção), porque elas se enquadram melhor do que a verdade em nossos vieses cognitivos (…). as notícias falsas obtêm 20 vezes mais retuítes do que as verdadeiras.”
Some-se a isso um grave alerta: profissionais e pesquisadores da área da saúde chamam a atenção para o fato de que, nas últimas semanas, estamos vivendo o que já pode ser considerado como a segunda onda da Covid-19. Essa constatação surge a partir da leitura dos números da taxa de reprodução (Rt) do coronavírus, no país, que indica claramente que o número de casos voltou a crescer por aqui.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) sistematizou dados e publicou, na última segunda-feira, (16.11), um quadro que revela nossa situação: dos 5.876.464 casos diagnosticados para a Covid-19 no país, um total de 28.776 casos foram identificados apenas nos últimos sete dias, com 484 óbitos. Os números não mentem: a taxa de mortalidade do coronavírus é de 2.794,4 para cada 100 mil pessoas. Na última terça-feira, dia 17, a Imperial College London, universidade do Reino Unido – que produz uma série de pesquisas em parceria com instituições do Brasil e da América Latina – advertiu que o Brasil pode registrar um número maior de mortes nas próximas semanas.
Reuni esses dois informes, divulgados por órgãos sérios, porque sei que, em contraposição, hão de surgir gritos nas redes sociais de que tudo não passa de “conspiração governista” ou “terrorismo biológico”. Não deixe de usar seus bons olhos e sua mente arguta antes de acreditar em informações como essas. A despeito de suas negativas, no mundo virtual, a realidade, quer queiramos ou não, apresenta os fatos, muitos deles, dolorosos.
Por Natalino Salgado.