Percorrendo becos, ruas e casarões antigos, o Festejo do Divino Espírito Santo, tradição secular rica em significados e religiosidade, adquire características únicas em Alcântara, a 22 km de São Luís. Durando 12 dias no mês de maio, a festividade que une o sagrado e o profano começou a ser enraizada no município desde meados do século XIX.
Origem da Festa do Divino
A origem da Festa do Divino Espírito Santo remonta à construção da Igreja do Espírito Santo em Alenquer, Portugal, no século XIII, por iniciativa da rainha Isabel. Trazida ao Brasil pelos colonizadores no século XVII, a tradição assumiu variações em cada região. No Maranhão, segundo historiadores, o culto teve início com os colonos açorianos, portugueses e seus descendentes.
Em Alcântara, a festa foi influenciada pelas missões católicas dos Carmelitas, responsáveis pela construção da Igreja do Carmo no século XVII, onde acontecem as celebrações. A partir de meados do século XIX, a tradição começou a ser enraizada entre a população da cidade, espalhando-se posteriormente pelo estado.
Estrutura Hierárquica e Celebrações
A cada ano, um império simbólico é criado em Alcântara, com membros da corte escolhidos entre os moradores da cidade. A estrutura hierárquica inclui um imperador ou imperatriz (alternadamente a cada ano), mordomos régios e mordomos baixos. Os festeiros selecionam jovens para representá-los no trono, e as famílias desses jovens arcam com as despesas. O mestre-sala, um profundo conhecedor das tradições, orienta todos os passos do ritual.
“A estrutura hierárquica é bem definida”, explica a antropóloga Marilande Abreu, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “No topo, temos o imperador ou a imperatriz, seguido pelos mordomos régios e, em seguida, pelos mordomos baixos. Cada escalão tem um papel essencial na manutenção das tradições e na organização dos eventos.”
Particularidades da Festa
Os preparativos para a grande festa são organizados por toda a cidade, com decorações, preparação de comidas e bebidas, e recepção aos visitantes. A festa de Alcântara é uma das poucas no Maranhão que não está diretamente ligada às religiões afro-brasileiras, sendo organizada com o apoio do poder público.
“A festa do Divino em Alcântara se diferencia por seu vínculo com as tradições católicas, embora em outras regiões do estado a festa seja integrada às religiões de matriz africana”, destaca Marilande Abreu.
O Mastro e as Caixeiras
Um dos momentos mais significativos da festa é o levantamento do mastro, uma atividade tradicionalmente masculina. Na quarta-feira, véspera da Ascensão do Senhor, o mastro é recoberto de murta, uma planta sagrada, e levado em cortejo pelas ruas de Alcântara.
Entre os elementos mais importantes da festa estão as caixeiras, senhoras devotas que tocam caixas e entoam cânticos em louvor ao Divino Espírito Santo. “As caixeiras têm um papel crucial, com sua música e ladainhas, que permeiam todas as etapas da festa”, explica a antropóloga.
Banquetes e o Doce de Espécie
Durante a festividade, os banquetes são momentos de grande simbolismo, com casas escolhidas oferecendo refeições gratuitas que incluem o famoso doce de espécie. Este doce, uma adaptação de uma receita portuguesa feita pelos escravizados, combina coco, cravo e canela, e é um dos destaques dos banquetes.
A modelo maranhense Yara Sá, participante do Jogo das Panelas do programa Mais Você, levou a receita do doce de espécie para a Ana Maria Braga, destacando a importância do resgate à cultura do alimento. “O doce de espécie é rico em história e traz uma abordagem cultural importante”, disse Yara.
A Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara é um exemplo vibrante de como tradição, cultura e religiosidade se entrelaçam para criar uma celebração única. A cada ano, a cidade renova seu compromisso com essa herança, acolhendo visitantes e mantendo viva uma das mais importantes manifestações culturais do Maranhão.