Entrou em vigor na terça-feira (01/08) um conjunto novo de regras para a tributação de compras feitas no exterior, bem como um novo mecanismo, o Remessa Conforme, que vão impactar especialmente a galera que fazia a festa caçando ofertas em sites chineses, como é o caso da AliExpress.
Mas e agora, como fica? Ferrou o projeto dragão chinês? Vamos neste vídeo explicar o que muda, se ainda vai valer a pena trazer produtos do exterior e, no fim do dia, como tem coisas que na real nunca mudam.
O que mudou
Vamos partir do factual. O que está sendo introduzido é um programa da Receita Federal, o Remessa Conforme, onde as empresas que fazem envio de produtos para o Brasil podem voluntariamente participar.
Com esse programa as empresas passam a recolher o valor do imposto já no momento da aquisição do produto, fazendo o envio da mercadoria com a documentação já preenchida e o imposto recolhido.
Ok, e porque entrar nesse programa? Não faz mais sentido continuar na base da sorte se o produto vai ser taxado ou não? Há alguns benefícios. O primeiro é que o produto não para mais na alfândega, sendo encaminhado para a empresa de entregas assim que chega ao país, agilizando a entrega e reduzindo custos do governo com armazenagem, por exemplo.
A segunda é uma isenção. Em produtos abaixo dos US$ 50, não será cobrado o imposto federal de importação, que é de salgados 60%. Fica apenas o Imposto de Circulação Mercadorias e Serviços, o ICMS, que é estadual e foi fixada uma alíquota de 17%.
O que não mudou
Entender se isso piora ou não a situação de quem fazia compras no exterior é difícil de cravar porque existiam duas realidades: o que está no regulamento e o que é efetivamente praticado.
A taxa de 60% nas importações não é novidade, sempre existiu. Mas o grande volume de compras, que chegou a um pico de 170 milhões em 2022, o que dá cinco remessas por segundo, tornava inviável, na prática, fiscalizar todos os pacotes e cobrar essa taxa.
Então o que era feito por boa parte dos consumidores era realizar a compra e ficar na torcida que não seria taxado. Graças ao volume de encomendas, a aposta na maioria das vezes valia a pena, especialmente pacotes menores, que chamavam menos a atenção na busca aleatória dos funcionários da fiscalização. A declaração do item por um valor muito inferior também se tornou praxe, por parte dos vendedores chineses.
Vou dar um exemplo: comprei dois microfones USB para outro projeto pessoal. Cada um custou US$ 60. Porém, o vendedor declarou o valor como sendo US$ 14. Com o frete sendo gratuito, o total da compra foi reportado como US$ 28. Assim a compra saiu um total de 600 reais, praticamente o preço praticado na venda de apenas um desses microfones no Brasil.
Na prática, a isenção é um aumento
Outro detalhe é que já havia isenção no imposto de importação entre pessoas físicas, algo que era bastante explorado com os vendedores simplesmente preenchendo a documentação como se fossem pessoas físicas, e não jurídicas, também como forma de burlar o fisco. Curiosamente neste caso, a minha compra foi reportada como feita por uma loja.
Então apesar de na teoria a isenção da taxa de imposto de importação para produtos abaixo dos US$ 50 ser uma redução no custo, na prática, para os consumidores, parece estar pior do que era antes, quando muitas vezes a “aposta” de acreditar que não seria taxado se pagava e o produto chegava sem nenhuma taxa adicional. Nem o ICMS.
Para quem está cogitando compras superiores a 50 dólares, a coisa é muito pior: colocando a taxa de 60% em toda compra, muda completamente a viabilidade de diversos produtos. Vamos mostrar em exemplos práticos:
Ainda vale comprar?
Vamos usar dois exemplos diferentes, para mostrar como muda bastante a viabilidade da compra se está dentro ou fora da isenção de abaixo de 50 dólares. Para o cálculo do valor final, estamos usando a calculadora de compras internacionais disponibilizado pelo G1, e o dólar está usando de referência o preço da cotação da moeda no dia 04/08.
Dentro do teto dos 50 dólares temos produtos como essa memória HyperX de 8GB a 3200MHz. Com a taxa de 17%, teríamos US$ 19,82, algo que convertido pelo valor atual daria em torno de R$ 97. As memórias nessa configuração no Brasil podem ser encontradas entre R$ 120 a R$ 150. Neste cenário, pela praticidade da entrega mais rápida e da garantia nacional, não faz sentido comprar do exterior para ter uma economia tão baixa.
Preço | ICMS 17% |
Imposto de importação 60% |
Preço final | Convertido |
US$ 16 | US$ 2,72 | Não se aplica | US$ 19,72 | R$ 95,7 |
Mas usando de referência este SSD de 960GB da KingSpec. Com custo de US$ 30, com mais o ICMS ele vai para US$ 36, o que convertido na cotação do dólar dá em torno de 176 reais. No país, SSDs dessa capacidade estão em torno de R$ 270, uma diferença que aí sim pode compensar a aquisição no exterior.
SSD de 960GB da KingSpec
Preço | ICMS 17% |
Imposto de importação 60% |
Preço final | Convertido |
US$ 30 | US$ 6 | Não se aplica | US$ 36 | R$ 176 |
Agora olhando para um produto mais caro. O bastante popular AMD Ryzen 5 5500 é vendido por US$ 73, que com o ICMS e impostos de importação, vai para US$ 140. Isso convertido vai dar uns 685 reais. Sem dificuldades ele pode ser comprado por R$ 650 ou menos em varejistas nacionais, e usado é encontrado por R$ 500.
AMD Ryzen 5 5500
Preço | ICMS 17% |
Imposto de importação 60% |
Preço final | Convertido |
US$ 73 | US$ 19 | US$ 43 | US$ 140 | R$ 681 |
Outro exemplo interessante são placas de vídeo, especialmente modelos um pouco mais antigos. A Radeon RX 5700 XT foi um modelo que revisitamos recentemente em live, e comentamos o quanto ela é um excelente produto pelo custo praticado na AliExpress. Por menos de R$ 700 a placa tem ótima performance em 1080p, e amassa qualquer produto disponível no mercado brasileiro. Um dos modelos nessa faixa de preço à venda é a Radeon RX 560, e a 5700 XT entrega 230% mais desempenho, segundo estimativa do TechPowerUp Database.
Preço | ICMS 17% |
Imposto de importação 60% |
Preço final | Convertido |
US$ 134 | US$ 23 | US$ 80 | US$ 258 | R$ 1300 |
Mas colocando a taxa de importação e mais o ICMS no lance, ela passa para 1.265 reais. Esse preço ainda é competitivo, mas é tão próximo do praticado na RX 6600 (R$ 1.5 mil), que tem performance próxima, usa tecnologias mais recentes e é vendida no Brasil, que a venda deixa de ser tão favorável.
No caso específico do AliExpress, a empresa já atua com vendas feitas diretamente no Brasil, o que evita o problema das taxas. Aqui é preciso ter cuidado porque a interface do varejista chinês é o caos, e mesmo marcando na busca com o filtro “Do Brasil”, não é raro descobrir dentro da oferta que ela na realidade vai vir da China. Isso acontece porque na medida que você vai navegando, as vezes o filtro é desabilitado, então fique de olho antes de fechar a compra. Confirme que o produto está vindo mesmo de algum lugar no Brasil.
E com vai ser agora?
Duas gigantes das compras internacionais já afirmaram que vão se adequar ao Remessa Conforme: a Shein e, especialmente relevante pra galera que compra hardware no exterior, a AliExpress. Ambas as empresas se mostraram contentes com o acerto, considerando que “a iniciativa trará mais transparência e eficiência ao ecossistema de comércio eletrônico internacional do Brasil”.
O que falta saber é se essa nova regulamentação vai pegar, ou vai ser mais uma vez a realidade de uma lei no papel, mas outra coisa acontecendo na prática.
Mas questões tributárias são complexas, e oferecer algo pra alguém é muitas vezes tirar de outro. Até mesmo a isenção da faixa dos US$ 50 foi criticada. Como apenas é cobrado o ICMS, os impostos dos produtos do exterior são muito inferiores a toda as taxas que os lojistas nacionais pagam, que inclui PIS, Cofins, Imposto de Renda, e o próprio ICMS, como listou o CEO da Petz. Isso, de acordo com ele, é um convite para empresas saírem do país, afinal o custo de operação lá fora é mais baixo, e ela se torna mais competitiva saindo, mesmo que seu objetivo seja, no fim, vender para o Brasil.
Esse tempo todo em que muitos de nós aproveitaram os excelentes preços de importar não pagando as taxas nos mostram que o real problema é muito maior do que essa mudança, afinal, ela no fim das contas é uma tentativa de agilizar o sistema para apenas aplicar a lei. O problema é como os tributos são cobrados no Brasil. A alta carga tributária torna as empresas locais incapazes de competir no cenário internacional, e infelizmente a solução parece ser equilibrar o jogo cobrando tributos caros também das compras internacionais.
Mas fica evidente como o modelo focado em taxar o consumo penaliza desproporcionalmente os mais pobres e o caos de tributos precisam ser simplificados para viabilizar mais competitividade para nossas empresas e também pela sanidade de todos nós. Em uma discussão com tantas divergências de opinião, acredito que se tem algo que todo mundo concorda é que está ruim. E que tem que mudar.
Fonte: Site Adrenaline