O título, embora pareça um jargão, retrata uma triste realidade: embora várias reportagens tenham destacado que o Brasil entrou num processo de decréscimo da pandemia, ainda nos deparamos com algumas comparações epidemiológicas que não parecem favoráveis ao nosso país. Segundo dados mais recentes, o Brasil saiu de um pico de mais de mil mortes diárias, especialmente entre junho e agosto, para cerca de 490 mortes, no momento, considerando as duas últimas semanas.
Os estados mais afetados têm demonstrado consistente queda nos óbitos e, até o momento, em que pese o Brasil já ter passado por várias fases da pandemia, dentro de seu território, os números apontam para uma situação de resolução da pandemia, ainda que qualquer afirmação de seu fim seja prematura. A questão que deve ser observada é a comparação entre o Brasil e a União Europeia. A UE teve cerca de 151 mil mortes, enquanto aqui, aproximadamente, 153 mil.
Os mesmos dados apontavam que nosso país era o terceiro com mais mortes por 100 mil habitantes, atrás da República Tcheca e Romênia, ambos os países do Leste Europeu, mas não membros da União. Dentre os países mais afetados no bloco europeu, Espanha, Itália, Alemanha e França que, no momento, vivem uma segunda onda, comparativamente nosso país ainda tem mais mortes por 100 mil habitantes. A questão é que comparações desse tipo precisam definir se vão relacionar o Brasil com o bloco inteiro ou com países da Europa, individualmente.
Se observamos apenas os números da população, o bloco tem quase o dobro de nossa população brasileira (213 mi para o Brasil contra 447 mi para os europeus). Então, em números absolutos de mortes, perdemos, mas devemos ficar abaixo deles pois estão no inverno e o vírus está na segunda onda. As dimensões continentais do Brasil e a diferença substancial na distribuição regional de serviços médicos, bem como de profissionais, calamidade contra a qual ainda lutamos, não nos dá a consistente uniformidade que o bloco europeu possui, na questão da assistência à saúde.
A comparação entre as populações, a qual leva em consideração o fato de os europeus terem um perfil demográfico de faixa etária mais velha, não parece ser um argumento persuasivo, quanto ao perfil de mortes, pois, em nosso país, além da questão idade, pesquisas revelam que o perfil socioeconômico foi importante marca entre aqueles que morreram pela Covid-19.
Assim, considerando as diferenças acentuadas entre países desenvolvidos e o Brasil, deve-se relativizar, em função das estratégias adotadas, o perfil social, a população e distribuição de serviços, associando tudo isso à condição econômica desigual entre os brasileiros. De qualquer forma, vemos uma clara diminuição da infecção, no Brasil, e não se vislumbra, no momento, uma segunda onda em nosso país. Ainda assim, cautela e bom senso não fazem mal a ninguém.
Sofri diversas pressões e resistências, quando, em março deste ano, decidi, com apoio do corpo universitário, suspender o calendário acadêmico da Universidade Federal do Maranhão. Muitos acharam prematura a decisão, mas o tempo provou que estávamos na direção correta e nossa medida evitou uma série de tragédias.
Como médico, soube, desde logo, da gravidade da situação e irmanei-me aos meus colegas que, pelo menos em relação à comunidade universitária, não ficaram ainda mais sobrecarregados. Como pai e professor, pensei no presente e no futuro das famílias pois, porque nos mantivemos vigilantes, nos está sendo reservado menos cruel destino. É preciso um pouco mais de paciência e resiliência de nossa parte diante dos novos tempos. Nossas vidas pedem de nós extremo cuidado e, também, sacrifício. Todas as outras pendências, por mais caras e urgentes, podem esperar. O essencial são as vidas e a consciência de tentar salvá-las.
Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA, titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina