*Roberto Veloso
Um dos maiores problemas das eleições é a compra de votos, que desnatura completamente o conceito de representação popular, consagrada na Constituição Federal. Diz a Carta Magna, no parágrafo único do art. 1º, que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Se o voto é obtido mediante corrupção, o eleito não tem compromisso com o eleitor – detentor da soberania popular -, por isso a malversação do dinheiro público.
Toda a administração fica contaminada e a população sofre com a falta de serviços públicos de qualidade. O dinheiro utilizado para a compra de votos é tomado de volta dos cofres públicos, muitas vezes em espécie na agência bancária.
A corrupção eleitoral é assim geradora da corrupção na administração pública, que se vê assaltada pelos inescrupulosos e malfeitores eleitos com o voto comprado, muitas vezes a preço vil. Por isso, várias entidades, ainda no ano de 1998, conseguiram inserir o art. 41-A na Lei 9.504/97, a Lei das Eleições.
No que concerne à captação ilícita de sufrágio, o uso indevido do poder econômico e/ou político se destinará à dação, oferecimento, promessa ou entrega de bens ou promessa de qualquer vantagem, com o fim de obter o voto do eleitor.
Não vende o voto apenas quem recebe R$ 100,00 ou um remédio ou uma dentadura. Há também a compra quando alguém vota em um sujeito porque ele prometeu regularizar um lote clandestino em uma invasão. A cultura da compra do voto é tão forte, que muitos eleitores se acostumaram a só votar se houver o recebimento de uma vantagem.
Entre as condutas julgadas pela Justiça Eleitoral passíveis de ensejar a cassação do diploma por corrupção eleitoral podemos destacar: a) doação de cestas básicas; b) fornecimento de carteira de habilitação; c) distribuição de padrão de luz; d) manutenção em período eleitoral de “cursinho pré-vestibular” gratuito; e) oferta de emprego; f) depósito de quantia em dinheiro em contas-salário; g) distribuição de vales-compra de um supermercado; h) distribuição de dinheiro em espécie.
Desde a aprovação desse dispositivo até os dias atuais muitos mandatos foram cassados em razão da corrupção eleitoral, mas ainda é preciso avançar muito, porque a maioria das ações é realizada longe dos olhos da Justiça Eleitoral. Para isso é preciso o envolvimento de toda a população denunciando os corruptos e confiando na ação dos promotores e juízes na punição dos responsáveis.
O surgimento da possibilidade de ser cassado o registro ou diploma em razão da compra de apenas um voto representou um avanço enorme no ordenamento jurídico brasileiro. Essa possibilidade somente se tornou possível pela mobilização da sociedade brasileira, que, utilizando-se do exercício da democracia direta estabelecida na Constituição, propôs um projeto de lei de iniciativa popular, depois aprovado pelo Congresso Nacional.
Infelizmente, há ainda um movimento forte em defesa dos corruptos. A dificuldade para punir quem pratica desvio de dinheiro público no Brasil é imensa. Mobilizam-se autoridades, setores da imprensa e pessoas ligadas aos criminosos para criarem todas as dificuldades possíveis a fim de a velha prática continuar a campear, aumentando a pobreza e a má prestação dos serviços públicos.
A compra de votos é maior onde não há educação e acesso à informação. A pobreza e o analfabetismo são campos propícios para a propagação de condutas dessa natureza, muitas vezes acobertada pela ausência de estrutura da máquina fiscalizadora e controlada, no caso, polícia, corte de contas e Ministério Público.
Uma das formas de combater a corrupção eleitoral é aumentar a qualidade de vida da população, com educação, emprego e acesso à informação.
*Juiz federal e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil