Por Adriano Sarney
O economista André Lara Resende, que foi nada mais do que um dos formuladores do Plano Real, escreveu no final de semana passado um interessante artigo no jornal Folha de São Paulo. Ele defende a emissão de moeda pelo Banco Central para financiar o Tesouro. Essa tese chacoalha premissas dominantes sobre políticas monetária e fiscal. O texto é longo, mas tentarei resumir e simplificar as ideias centrais.
Diante da crise do coronavírus, o governo deve gastar o que for necessário na saúde e nas ajudas assistenciais às pessoas e empresas. Com a arrecadação em queda, é impossível pensar, nesse momento, em aumento de impostos, pois agravaria mais ainda a crise. Como as despesas emergenciais deterioram as contas públicas, Lara Resende defende que restam, então, duas opções para financiar o déficit: o aumento da dívida ou a emissão de moeda.
O artigo explica que antigamente a moeda tinha um valor intrínseco, valia o peso e o tipo de metal que ela continha. Depois, passou a ser um certificado de dívida do governo pelo qual o portador poderia trocar por um metal com valor equivalente. Hoje, a moeda é apenas um certificado da dívida do estado sem lastro metálico, é fiduciário, um registro contábil eletrônico.
Ele argumenta que, no mundo contemporâneo, o dinheiro (moeda) e um título do Tesouro são bem parecidos por se tratarem de uma dívida do Estado. A diferença é que o título custa mais caro do que a pura emissão de dinheiro. Um título do Tesouro paga juros, enquanto a moeda sempre é aceita pelo seu valor de face. Com as taxas de juros básicos no Brasil se aproximando a zero e, em alguns países, negativas, a distinção de moeda e títulos (dívida) se torna cada vez mais irrelevante.
Lara Resende se aprofunda em questões técnicas, mas sacramenta que a emissão de moeda ao invés da emissão de títulos que pagam juros, reduziria a dívida pública em 60%, dos atuais 75% para 45% do PIB!
No entanto, mais dinheiro circulando na economia não geraria inflação? Para responder a essa pergunta, o economista usou o exemplo de outros países. Após a crise financeira de 2008, Bancos Centrais de países desenvolvidos se valeram do Quantitative Easing (QE) que é nada mais do que uma massiva expansão monetária em mais de 1.000% sem que houvesse qualquer sinal de inflação. Pelo contrário, esses países beiram a deflação. No mais, Lara Resende acredita que já existe emissão de moeda no Brasil via o sistema financeiro: “Para evitar que a taxa de juros no mercado de reservas, principal instrumento de política monetária, se desvie da taxa fixada, o Banco Central é obrigado a sancionar a expansão da moeda. Ao dar crédito, os bancos emitem moeda”, argumenta.
Mas, nem tudo é linear na análise de um dos idealizadores do Plano Real. Para fechar o raciocínio ele precisou recorrer à prudência política. Afinal, quase tudo se resume à tomada de decisão política. Claro que emitir dinheiro de forma indiscriminada é um prato cheio para que políticos possam fazer a festa de gastos irresponsáveis. Para que a tese da emissão de moedas vingue, é necessário que os investimentos sejam feitos de forma responsável na saúde e no setor produtivo uma vez que precisamos salvar vidas e que a economia só cresce com produtividade.
O artigo de Lara Resende quebra a mesmice dos textos sobre economia que lemos diariamente. Como em outros textos polêmicos escritos por ele, vale a pena a reflexão e o debate.
Saúde para todos!
*Adriano Sarney é deputado estadual, economista com pós-graduação pela Université Paris (Sorbonne, França) e em gestão pela Universidade Harvard.