Por *Renato Dionísio
No mundo dos negócios e da política, e, um pouco menos, no das relações sociais, o mais das vezes, é necessário ler e interpretar além do que está formalmente escrito ou tacitamente afirmado pelos negociadores. Como exemplo, toma-se dois episódios recentes, ambos versando sobre a “brasileira” Petrobras. O primeiro, montado, confortavelmente, na Lava Jato dá conta de que bilhões foram “surrupiados” desta “estatal” nos Governos Lula e Dilma. O segundo diz respeito à transferência, neste momento, no Governo Bolsonaro, de 100 bilhões, em dividendos para as contas dos acionistas.
Espera-se que o leitor não se apresse, não tome posição, pelo menos por enquanto. O que se afirma, o que existe, a menos que se seja cego, ou não se queira ver, é a siamesa semelhança entre o caso passado e o presente. Ambos estão acobertados por uma genérica formalidade, com os dois processos tendo programas ou projetos o que lhes conferem um ar de legalidade. Entretanto, categoricamente afirma-se: são imorais tanto o denunciado pelo lavajatismo, quanto a distribuição desses dividendos como lucro do investido sob a forma de capital.
Como o óleo extraído pela Petrobrás está em solo brasileiro, ele pertence à nação. Se ao longo de sua existência recebeu pesados e contínuos investimentos nacionais; se não está sujeito ao pesado sistema tributário, como alguém pode defender que esta empresa foi criada apenas para dar lucro a poucos? Se for tão somente isso sua destinação, onde se encontra o interesse nacional? Onde se funda o compromisso com o povo brasileiro, seus artífices e mantenedores? Como ajudará o desenvolvimento nacional?
De parabéns, então, o Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal que, a pedido do Senador Jean Prates (PT-RN), convocou o Presidente da estatal de petróleo, Joaquim Silva e Luna, para que, em audiência pública, explique essa distribuição e seus percentuais, no momento em que todo país se afoga nas incontáveis oscilações de preço dos combustíveis.
Dói a informação de que a estatal obteve no ano base de 2021 um lucro líquido na ordem de R$ 106 bilhões, fruto da política de dolarização dos preços, que fez o valor dos insumos do petróleo alcançarem preços imorais no mercado interno, fato que produziu um lucro 1.400% maiores que os verificados em 2020. Mais intrigante ainda é que faltou, a tão volumosa montanha lucrativa e à respectiva divisão dela, transparência e informação que possibilitem ao cidadão comum entender esses mecanismos.
Pensa-se que a nação está cansada e confusa de ouvir dizer que o país é autossuficiente na extração de petróleo quando ele está importando óleo cru. Fica-se perplexo ao se ser informada, por este Governo, da venda de refinarias brasileiras, a última para os árabes, pagando-se pelo refino em outros países. Endoidecido mesmo ao não perceber muita diferença, nem para o consumidor, menos ainda para a nação, o assalto praticado no passado e o roubo, em forma de dividendos, praticado no presente.
A Petróleo Brasileiro S/A, criada em 1953, no Governo de Getúlio Vargas, prestes a completar 70 anos, vem, desde então, continuadamente recebendo investimentos do povo brasileiro, via Estado Nacional. Ela não pode, então, agora, desconhecer a ideia fundante do conglomerado, entender que é mais importante o pagamento de dividendos a seus acionistas que o capital para reinvestimento em novos poços e novas refinarias que acabem de vez com a dependência externa. É inaceitável que se priorize o lucro em detrimento do papel e da responsabilidade social depositados sobre os “ombros” deste símbolo nacional.
É imperioso o reexame desta questão e urgente a colocação desta discussão na ordem do dia. Qual é o papel histórico da Petrobrás? A destinação desta estatal de economia mista é extorquir o consumidor, premiando desconhecidos acionistas? É para isto que tantos, ao longo de tantos anos, derramaram sangue, suor e lágrimas? No final (mas nunca por último), pensa-se ser pouco relevante se uma empresa é estatal ou não, se seu capital pertence a brasileiros ou estrangeiros; isto parece de somenos importância. Importante é a forma que aufere seus resultados e como e onde aplica seus lucros e a serviço de quem labora.
*Historiador, Compositor e Produtor Cultural