A divulgação de imagens íntimas sem autorização afeta a saúde mental de mulheres em todo o mundo. No Brasil, divulgar cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima é crime previsto no Código de Processo Penal.
Uma pesquisa conduzida por especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas) aponta que mulheres que tiveram imagens íntimas divulgadas sem autorização sofrem impactos como automutilação, depressão, fobias, ideações e tentativas de suicídio, transtorno alimentar, alcoolismo, dificuldades de se relacionar socialmente e problemas de autoestima.
A análise realizada pelo Grupo de Violência, Gênero e Saúde da Fiocruz Minas avaliou os danos à saúde das mulheres que sofreram esse tipo de violência e como se dão os cuidados em saúde necessários nessas situações.
O estudo é fruto da tese de doutorado de Laís Barbosa Patrocínio, sob orientação da pesquisadora Paula Bevilacqua. Para a análise, as pesquisadoras fizeram entrevistas com 17 mulheres, com idades entre 18 e 62 anos, que tiveram imagens divulgadas sem autorização e com dez profissionais de saúde e de assistência social que prestaram atendimento. Entre as vítimas de situação de violência, o intervalo de idade foi de 17 a 50 anos.
O estudo abrange 18 cidades de seis estados brasileiros, sendo capitais, cidades litorâneas, do interior e região metropolitana, de pequeno, médio e grande portes. Os depoimentos foram obtidos durante o segundo semestre de 2020.
“A pesquisa coincidiu com o primeiro ano da pandemia, o que trouxe vários complicadores. Foi preciso fazer todas as entrevistas por vídeo, por meio de plataforma digital. O lado positivo disso foi a possibilidade de conseguir uma diversidade territorial, com participantes de várias localidades, e também de classe e étnico-racial”, explica Laís, em comunicado.
As mulheres vítimas da violência narraram como foram produzidas e divulgadas as imagens íntimas, a forma como o episódio impactou suas vidas e se buscaram apoio. As profissionais da saúde e da assistência social relataram os casos atendidos, os cuidados oferecidos e os desafios na atenção a essa situação de violência.
Diferentes tipos de exposição
De acordo com a pesquisa, a forma como as mulheres são expostas varia. Foram identificadas diferentes possibilidades nos processos de produção, obtenção e divulgação das imagens. Enquanto algumas mulheres produziram o conteúdo, outras foram registradas sem o conhecimento.
Em relação à exposição, a pesquisa aponta que as motivações envolvem afirmação da masculinidade do homem que comete o crime, controle e condenação da sexualidade das mulheres, além de vingança, comercialização e extorsão.
Em outros casos, as imagens não se referem à sexualidade das mulheres. Algumas foram expostas em momentos sob efeito de álcool ou em brigas com parceiro. “Isso revela uma vigilância não apenas da sexualidade feminina, mas também de outros comportamentos. A exposição é também de momentos de descontrole da pessoa, demonstrando uma necessidade de manter o comportamento feminino sob controle o tempo todo”, diz a pesquisadora.
Danos para a saúde mental
Os impactos da exposição para a saúde mental das mulheres são diversos. Segundo o estudo, os danos incluem abalos na autoestima, tentativas de tirar a própria vida, além de agravos para fragilidades já existentes.
“É o caso de distúrbios alimentares e estados depressivos; quem já tinha predisposições desenvolveu. Outra consequência importante é o sentimento de culpa, relatado tanto pelas vítimas como pelos profissionais. É uma culpabilização externa que acaba virando interna e vai minando a autoestima”, afirma Laís.
Segundo a especialista, o sentimento de culpa faz com que muitas mulheres deixem de procurar ajuda. “Além disso, o dano se dá sobretudo nas relações. Muitas das entrevistadas relataram que o que mais machuca não é a vergonha da exposição, mas o fato de não serem apoiadas por familiares e amigos”, diz.
Entre os desafios no atendimento de vítimas da exposição íntima, a pesquisa identificou dificuldades de sintonia entre as instituições, ausência de conforto e privacidade na recepção e no atendimento e a necessidade de relatar o ocorrido a vários profissionais, além de julgamentos na assistência policial.
A pesquisa também verificou como o tema tem sido tratado no contexto acadêmico a partir de uma revisão bibliográfica. Os achados apontam que há uma abordagem conservadora até mesmo nos artigos científicos.
“Apenas 15% dos artigos sobre o vazamento de imagens íntimas classificam a situação como violência de gênero. Então, nosso estudo pretende a chamar a atenção também da própria academia para refletir sobre essa abordagem”, ressalta Laís.
Fonte: CNN