Uma das mais importantes e belas áreas protegidas do mundo, os Lençóis Maranhenses, no norte do Maranhão, têm belezas naturais estonteantes, gastronomia apetitosa, cultura rica e um povo amável. Feche os olhos e tente imaginar o que seria a imagem dos Lençóis: provavelmente se lembrará de uma imensidão de areia com pontos azuis e verdes – a visão das lagoas que se formam após o período das chuvas, certo? E se eu te contar que o maior campo de dunas da América do Sul é muito mais do que isso?
Enquanto gravava o CNN Viagem & Gastronomia: entre Dunas e Lagoas, pude me maravilhar com os cenários deslumbrantes de oásis em meio aos grandes bancos de areia, assim como apreciar a fértil cultura local, que se divide entre os sabores de iguarias regionais e os saberes de pequenas comunidades, que mantêm tradições ao longo das décadas. Não encontrei palavras que fazem jus às maravilhas desse lugar. É uma mistura extraordinária de belezas naturais, cultura, gastronomia e, claro, de pessoas.
Menos conhecida do público, uma das portas de entrada para os Lençóis é a cidade de Santo Amaro do Maranhão, a cerca de 240 km da capital São Luís. Com apenas 16 mil habitantes, é o local mais próximo da entrada do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, mas também o que possui menos estrutura – a cidade inseriu-se no contexto turístico muito recentemente, de três anos para cá. Algumas pousadinhas e comércios começaram a pipocar e, hoje, cerca de 70% da renda do município vem deste segmento.
A partir de Santo Amaro é possível acessar as dunas e lagoas do parque em apenas cinco minutos de carro – é como se fosse o quintal da cidade. Nesta região ficam lagoas de águas cristalinas, que são um convite para um mergulho refrescante, como a do Junco – uma das mais lindas dos Lençóis.
O Parque Nacional
É um dos lugares que mais queria conhecer no Brasil, um dos destinos que estavam no topo da minha lista e que superou minhas expectativas. O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses possui 155 mil hectares de área, formada por dunas e lagoas de água cristalina – para se ter uma ideia, quase a Grande São Paulo inteira caberia nesta região. Ali, o cenário é único no mundo: é cerrado com influência da caatinga e da Amazônia.
Os Lençóis Maranhenses são o maior campo de dunas da América do Sul, em que os morros de areia, que ultrapassam os 70 metros de altura, ocupam dois terços da área do parque e escondem lagoas, como se fossem verdadeiros oásis. Nenhuma é igual a outra: umas azuis e outras esverdeadas, algumas com vegetação rasteira e muitas de águas transparentes. Elas são abastecidas pelas chuvas que caem de fevereiro a maio. Portanto, estão em seu esplendor nos meses de junho a agosto, no começo da temporada seca, que vai até janeiro. Algumas apresentam bons níveis de água ainda em setembro, mas a maioria já começa a secar em outubro.
Em constante movimento, os Lençóis Maranhenses têm sua paisagem desenhada pelo vento e pelo ciclo das águas: durante o período das chuvas, milhares de lagoas se formam, transformando a paisagem deste que é o mais úmido deserto do planeta. A movimentação das dunas e das lagoas pelos fortes ventos é como uma dança, um balé de belezas naturais. E desbravar o parque é fazer parte desse movimento todo. São só superlativos: impressionante, emocionante, grandioso.
Ora deserto, ora transbordando vida em seus rios e mangues, essa área de preservação ambiental é lar de inúmeros animais e aves migratórias, como os lindíssimos e super-vermelhos guarás e a tartaruga-pininga, endêmica dali e símbolo do parque – mas quase ameaçada de extinção.
Fundado em 1981 e administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o parque está inserido em três cidades: Primeira Cruz, Santo Amaro do Maranhão e Barreirinhas. Nestas duas últimas é que ficam as principais entradas para visitantes e se concentram as agências e guias que realizam os passeios pela área. Dica: contrate serviços de guias para explorar as atrações, em que apenas carros autorizados, como o UTV (mistura de carro com quadriciclo) e 4X4, podem circular nos terrenos arenosos e alagados dos limites do parque.
O que visitar em Santo Amaro
Para desbravar Santo Amaro e as maravilhas dos Lençóis, é preciso se locomover entre dunas, lagoas e comunidades litorâneas. Junto dos grandes morros de areia, as lagoas são as principais atrações do parque, assim como Travosa, comunidade de pescadores e marisqueiras que realizam um trabalho de turismo de base comunitária muito interessante.
Lagoa das Gaivotas
É a “queridinha de Santo Amaro” e também a mais famosa da região, tendo servido de cenário para o longa-metragem “Casa de areia”, com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, filme que ajudou muito na popularidade dos Lençóis Maranhenses. Suas águas cristalinas chamam atenção, com um miolo mais escuro por conta das algas. São cerca de 2,5 metros de profundidade, sendo um convite irresistível para banho.
Ela já foi a maior da região, com mais de dois quilômetros de extensão, mas, devido à própria natureza mutável das dunas, a areia acabou avançando e diminuindo o tamanho da lagoa. Ainda assim, ela costuma ser muito procurada nos roteiros por ali.
Lagoa das Andorinhas
Com água muito cristalina, a Lagoa das Andorinhas é outra estrela do roteiro mais comum oferecido pelas agências e guias de Santo Amaro. É uma das maiores dos Lençóis, com cerca de um quilômetro de extensão, e também um dos melhores lugares para mergulhar, nadar e tomar um banho refrescante em meio às areias quentes. Vale a pena o esforço de subir até o topo da duna para se ter uma visão geral da lagoa.
Lagoa do Junco e Circuito da Betânia
A Lagoa do Junco é uma das mais lindas dos Lençóis e ganhou meu coração: é de um azul absolutamente incrível, uma das mais transparentes da região e o ponto alto de Santo Amaro. Ela é extensa, com mais de um quilômetro, e profunda, em que chega a cinco metros, o que faz dela também um bom ponto para banho. Ela costuma ser incluída no chamado Circuito da Betânia, um passeio de dia inteiro por lagoas mais distantes que começa pela manhã e termina só no pôr do sol. O roteiro inclui também os chamados “oásis” de Betânia, pequenas concentrações de vegetação no meio do areal. Num desses “oásis” fica o povoado que dá nome ao circuito, onde costuma acontecer a parada para o almoço à beira do rio.
Lagoas Emendadas
Para quem gosta de caminhada e quer ter um contato mais direto com as dunas, esse é “o” passeio. Ele costuma começar às 13h e ir até às 18h, finalizando com um pôr do sol mágico. Em geral, os veículos 4×4 deixam o grupo num ponto, onde começa a caminhada pela região das Lagoas Emendadas, que têm esse nome por serem diversas porções de água conectadas umas às outras. São de três a quatro horas de caminhada sob o sol – com direito a paradas para mergulhos, claro. O esforço é recompensado por um pôr do sol magnífico, um dos mais lindos que já vi em minha vida. É como uma reverência que fazemos para a natureza, um beijo entre o sol e as dunas.
Comunidade de Travosa e Toca da Guaaja
Uma das experiências mais fortes de Santo Amaro: conhecer as marisqueiras de Travosa. Uma tradicional vila de pescadores entre mangue e praia inserida nos limites do parque, que vem desenvolvendo um trabalho de turismo de base comunitária, é transformador. Lá, é possível ver como trabalham e vivem as marisqueiras, mulheres que se ocupam da coleta do marisco sarnambi, pequenos vôngoles abundantes nos mangues e que são o ganha-pão das famílias comandadas por elas. Acompanhei o trabalho e pude ajudá-las na coleta dos mariscos, que trouxe memórias de minha infância.
O povoado é distante, um trajeto de cerca de 1h30 com parada para banhos em lagoas e também no mar, propício a esportes como surfe e kitesurfe. O caminho é lindo, em que a praia é cheia de troncos, resquícios do que já foi, há muito tempo, mangue. É a beleza da transformação! Também pelas areias há algumas cabanas, as quais servem de bases para pescadores, que vão e voltam de quadriciclo para levar o peixe fresquinho até a cidade.
É ali na Travosa que fica o imperdível restaurante Toca da Guaaja, uma das gratas surpresas da região. Comandado pela chef Aline Galvão, nativa da comunidade, e pela carioca Margot Stinglwagner, serve pratos inspirados na tradição gastronômica local e utilizando ingredientes frescos, como o próprio sarnambi coletado no mangue ao lado do restaurante e coco das árvores da propriedade.
O prato principal, um sarnambi ensopado, é feito com leite de coco e acompanhado de uma salada tradicional e foi o responsável pela aproximação das duas sócias. Margot, então uma viajante de passagem pelos Lençóis, foi almoçar na casa de Aline, que abria as portas para servir turistas, e se apaixonou pela comida. Desse encontro nasceu o restaurante, em 2018. Vale a pena também pedir ostras de entrada junto de uma cerveja local, a Magnífica, e provar a tiquira produzida por Margot, um destilado feito com mandioca, de origem indígena, típico do Maranhão. De sobremesa, uma cocada caseira também cai bem, assim como um repouso nas redes armadas no quintal. Tudo muito brasileiro e fresco, portanto, vá sem pressa!
Fonte: CNN Brasil