Protestos contra o presidente Jair Bolsonaro liderados por centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda reúnem milhares manifestantes em várias cidades do país
Na manhã deste sábado (29), houve atos em capitais como Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e Recife.
Em São Paulo, o protesto começou às 16h na avenida Paulista, que foi bloqueada em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo). Ele se estende por sete quarteirões até a rua da Consolação.
As manifestações, que foram alvo de críticas por acontecerem presencialmente em meio à pandemia da Covid-19, são realizadas num momento em que o país ultrapassa 450 mil mortes pela doença, sendo 2.418 registradas em 24 horas. Pelo menos nove capitais, além do Distrito Federal, têm ocupação acima de 90% dos leitos de UTI.
A expectativa da organização era de atos em cerca de 200 cidades ao longo do dia. A recomendação dos organizadores para a utilização de máscaras teve ampla adesão de manifestantes, mas houve aglomerações em diversos locais, como no Rio.
No Recife, a manifestação foi encerrada com bombas de gás lacrimogênio, tiros de balas de borracha e correria, após ação da tropa de choque da Polícia Militar. A vereadora Liana Cirne (PT) foi atacada com gás de pimenta ao tentar negociar com policiais que estavam em uma viatura.
A manifestação paulistana conta com a presença do pré-candidato do PSOL ao Governo de São Paulo, Guilherme Boulos. Ao chegar ao evento, o líder partidário, que também é um dos coordenadores da frente Povo sem Medo, disse que “derrotar o Bolsonaro é uma questão de saúde pública”.
Indagado sobre o fato de o protesto ser realizado em meio à pandemia de Covid-19, Boulos afirmou: “Se você olhar em volta, vai ver todas as pessoas de máscara. Não há nenhum tipo de comparação entre essa manifestação e aquelas promovidas pelo Bolsonaro, baseadas no negacionismo”.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a mobilização nacional deste sábado foi feita pensando em desgastar Bolsonaro e incentivar a CPI da Covid, enquanto o impeachment é visto como algo ainda distante. Líderes ligados à organização, porém, enxergam os atos como um impulso.
O dilema entre o discurso pró-isolamento social e o incentivo a aglomerações resultou em diferentes níveis de participação. A CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) não convocaram seus integrantes institucionalmente, embora não impeçam a ida.
PT, PSOL, PC do B, PCB, PCO e UP declararam apoio à iniciativa e dispararam chamados para os militantes, mas ressaltaram que a organização é de responsabilidade de frentes Povo sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos (que congregam dezenas de entidades).
Mesmo entre os partidos que endossaram a iniciativa não houve unanimidade. Em estados como a Bahia, por exemplo, o PT do governador Rui Costa incentivou a realização de atos virtuais.
Em Pernambuco, o Ministério Público estadual emitiu uma recomendação de suspensão dos atos marcados para este sábado, para evitar a disseminação do vírus. Ele expediu recomendações semelhantes contra aglomerações em manifestações de apoio ao presidente Bolsonaro.
O protesto foi mantido pelos organizadores, mas foi interrompido pela Polícia Militar de Pernambuco. De acordo com os organizadores, o ato vinha acontecendo de forma pacífica e mantendo o distanciamento entre as pessoas. Contudo, os manifestantes foram surpreendidos por uma guarnição da tropa de choque bloqueando a rua já no final do trajeto.
Os manifestantes pararam a cerca de 200 metros do bloqueio, mas os policiais avançaram e lançaram bombas de gás, gerando correria.
No Rio de Janeiro, milhares de manifestantes caminharam das 10h às 13h pelo centro da cidade, fazendo o trajeto do Monumento Zumbi dos Palmares até a Cinelândia.
Um grande boneco inflável do ex-presidente Lula, com os escritos “Lula Livre”, foi levado ao ato, assim como placas de “Fora Bolsonaro” e gritos contra o presidente.
Quase todos usavam máscaras. Vários locais tinham aglomerações, como os que concentravam baterias, e outros não. A Polícia Militar não acompanhou o protesto, como de costume.
O protesto no Rio tem as seguintes pautas: “Pela vida, por vacina, pelo auxílio digno e contra os cortes na educação”. Os organizadores também pediram que os manifestantes levassem um quilo de alimento não perecível.
No último domingo (23), a capital fluminense foi palco de uma mobilização pró-Bolsonaro. Três dias após dizer em live que voltou a ter sintomas da Covid-19, o presidente fez um passeio de moto com público estimado em 10 mil a 15 mil pessoas pela prefeitura carioca.
Ao final, ele fez um discurso criticando as medidas restritivas adotadas para conter a pandemia, causando aglomeração. Também sem máscara, o ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello esteve ao lado dele em cima de um carro de som.
Em Brasília, os manifestantes defenderam o impeachment de Bolsonaro, além da aceleração da vacinação e aumento do valor do auxílio emergencial.
Os tempos são dramáticos. Dramáticos porque falta comida na mesa do povo, disse a deputada Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara.
Segundo os organizadores do evento, cerca de 30 mil pessoas participaram da passeata, que percorreu a Esplanada dos Ministérios até a frente do Congresso Nacional. Também foi organizada uma carreata na capital federal.
A Polícia Militar do Distrito Federal informou que não calcula estimativa de público nesses atos e que, até o início da tarde deste sábado, nenhuma ocorrência policial havia sido registrada na Esplanada dos Ministérios.
Manifestantes carregavam faixas com frases contra Bolsonaro, além de bandeiras do PT e de apoio ao ex-presidente Lula. O PT apoiou as manifestações deste sábado.
Os organizadores contestaram a atuação de policiais e fiscais em Brasília, que impediram a venda de comida na região e também que um boneco de ar com a imagem de Bolsonaro seguisse durante a passeata. Procurado, o Governo do Distrito Federal disse que orientou participantes em relação à venda irregular de produtos alimentícios, mas não respondeu às críticas de comerciantes que afirmaram não terem sido impedidos de trabalhar em manifestações a favor de Bolsonaro.
O ato em Brasília buscou manter o distanciamento entre os participantes, com a marcação de faixas no chão, por exemplo, para que as pessoas se posicionassem em frente ao Congresso sem que houvesse aglomeração.
Apesar do uso de máscaras de proteção, houve alguns focos de aglomeração de pessoas, como nas poucas áreas com sombra de árvores.
Em Salvador, milhares de manifestantes se concentraram na praça do Campo Grande, e saíram em passeata na avenida Sete de Setembro acompanhados de um minitrio e de grupos de percussão.
Organizadores tentaram organizar a passeata em três filas, com o objetivo de manter o distanciamento entre os presentes. Mas a estratégia funcionou apenas em alguns pontos do protesto. A grande maioria dos manifestantes usava máscara de proteção contra a Covid-19.
“O ato superou nossas expectativas. Houve uma mobilização muito forte da juventude”, disse Walter Takamoto, da Frente Brasil Popular, um dos organizadores do protesto na capital baiana.
A pauta foi diversa: além das críticas à atuação do presidente Jair Bolsonaro na pandemia, houve protestos contra os cortes de verbas na educação, contra a privatização dos Correios e em defesa da moradia popular. Grupos de torcedores do Bahia e do Vitória também se uniram à manifestação.
Alguns manifestantes levaram faixas e vestia camisas em favor do ex-presidente Lula. Um grupo levou uma caixa de som que tocava um jingle do ex-presidente em ritmo de forró.
Em Belo Horizonte, os manifestantes se reúnem na Praça da Liberdade, região centro-sul da cidade. O local é o mesmo utilizado para atos organizados por correligionários do presidente.
O protesto começou por volta das 10h. Com bandeiras e camisas vermelhas, os manifestantes seguirão em passeata até o centro. Os organizadores do ato avisam sobre a necessidade de distanciamento de dois metros entre os participantes, uso de máscaras e álcool em gel.
Uma carreata também começa a ser organizada para quem não se sentir seguro de participar da passeata.
ESQUERDA RACHADA
Forças da oposição de esquerda estavam rachadas nos últimos meses sobre ir às ruas em meio à pandemia de Covid-19, mas entenderam que o descontrole do vírus e os índices de desemprego e fome exigem a realização de protestos.
Para neutralizar as críticas, tanto entre apoiadores quanto entre detratores do governo, os articuladores deram orientações de segurança para as pessoas que irão aos atos, como o uso de máscara adequada (do tipo PFF2) e a ordem de manter distanciamento nas passeatas.
As manifestações deste sábado abraçam ainda pautas como a aceleração da vacinação contra a Covid, o retorno do auxílio emergencial de R$ 600, a luta antirracista, o combate à violência policial, o ataque às privatizações e a defesa da educação pública.
Embora partidos e movimentos por trás da convocação afirmem que o mote “fora, Bolsonaro” traduz o desejo de afastamento imediato, líderes admitem haver obstáculos para o desenrolar de um processo. Eles, no entanto, enxergam as mobilizações como um passaporte que pode levar a esse destino.
A avaliação é que o impeachment pode ganhar força a partir da ocupação das ruas. Por isso, o esforço é para pressionar o centrão, fiel a Bolsonaro e uma barreira para o processo na Câmara, e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a quem cabe desengavetar um dos 114 pedidos protocolados.
Na quarta-feira (26), centrais sindicais e movimentos sindicais fizeram um protesto em Brasília, no gramado em frente ao Congresso Nacional, para denunciar o aumento da fome no país, reclamar da gestão da crise sanitária e pedir o reajuste no valor do auxílio emergencial.
A iniciativa foi tratada como um ato simbólico, com a presença de número reduzido de pessoas e transmissão dos discursos pelas redes sociais. Os manifestantes procuraram congressistas para expor suas bandeiras e fizeram doação de alimentos para catadores de material reciclável.